Públio José, jornalista
(publiojose@gmail.com)
Idealizar e por em prática a campanha “Escritor Potiguar: o Presente de Natal” me trouxe muitas alegrias, muitas felicitações, uma boa sensação de dever cumprido, o fortalecimento de várias convicções – e uma dolorosa constatação: por pior que se imagine o processo de desqualificação, de rejeição, de desconhecimento, de desvalorização de que é vítima a literatura local, tanto na esfera pública quanto na iniciativa privada; por mais que se veja a literatura potiguar como a indigente maior do planejamento estatal; por mais que se presuma negativamente sobre o tema, vê-se que a realidade é infinitamente pior. Tirando-se o apoio de algumas instituições ao lançamento de livros, normalmente de pessoas portadoras de acesso ao processo de produção pela fama que alcançaram, a pobreza geral continua a roer nossas entranhas literárias, sendo-lhe a eterna companheira de uma vida rica de tribulações.
Dos lançamentos, fora o momento do autógrafo, pouco fica de palpável, de concreto. O autor reúne a família, seu ciclo de amigos (o que às vezes totaliza pouco mais de uma centena de pessoas), tudo muito bonito, tudo muito bom... Vende alguns exemplares aos presentes, dos quais a grande maioria não lê o que adquire; o assunto sobre o qual pesquisou, sobre o qual se debruçou anos e anos é comentado uns poucos dias em rodas mais intelectualizadas – e tchau. Nesse período ocorrem alguns espasmos envolvendo o assunto, representado por algumas entrevistas, matérias e notas nos veículos de comunicação – e tchau. Sobre o conteúdo do trabalho que o autor transformou em obra literária nada se aproveita (com raras exceções); nenhuma instituição de ensino se permite analisá-lo mais profundamente; as redes oficiais de ensino se mantêm afastadas da questão – e tchau. Falei redes oficiais de ensino?
Nessa seara, o absurdo do pouco caso alcança níveis altamente danosos à produção literária local, culminando por auferir-lhe, por conseqüência, um status de ente incolor, inodoro, insulso, indolor, portanto, sem vida. Uma idéia do absurdo desse processo: Câmara Cascudo – reconhecidamente o maior nome das letras potiguares – é totalmente desconhecido da grade curricular das nossas escolas. Por conseqüência, das mentes dos estudantes dos ensinos fundamental, médio e superior. Essa constatação nos leva ao seguinte raciocínio: ou o conteúdo de tudo que Cascudo escreveu é gritantemente irrelevante ou a qualidade de nossa educação é tão elevada que prescinde de estudá-lo com profundidade. Tal raciocínio, todos sabem, é tosco, uma vez não ser nosso ensino nenhuma Brastemp, enquanto o folclorista é tema constante de centros de ensino superior da Bélgica, da França, da Itália, de Portugal...
Enfim, de searas acadêmicas de excelsa qualidade espalhadas por várias partes do mundo. E não só isso. Cascudo é incluído, analisado, estudado, em publicações as mais diversas, em todos os continentes, desde que a seriedade da obra exija a presença marcante e o raciocínio original de um estudioso persistente e devotado a assuntos que envolvem desde a Etnografia, a Etimologia, o Folclore, a Gastronomia, a Sociologia, o Direito, a Arqueologia, a Antropologia, até usos, hábitos e costumes de povos africanos. Como se observa, é de uma ignorância mastodôntica a esfera educacional que não inclui em sua grade de ensino um autor do porte de Luiz da Câmara Cascudo, potiguar que deu inúmeras demonstrações de amor à sua terra, publicou mais de 150 obras e foi premiado – entre inúmeras láureas que conquistou – pela Academia Brasileira de Letras com o prêmio João Ribeiro.
Na Europa, um estudante pesquisando um tema de um dos livros de Cascudo, ao se dirigir ao diretor da biblioteca, dele ouvirá, com certeza: “Procure na estante tal que Cascudo está lá”. Já por aqui, se um aluno tentar um negócio desses, ganhará, como resposta, um olhar estranho de um bibliotecário qualquer, para o qual o nome Cascudo está mais para o cocorote que se dá em menino teimoso, desobediente, do que para o homem que legou ao mundo o “Dicionário do Folclore Brasileiro”. Assim, enquanto, pelo mundo afora, a obra de Cascudo reverbera e repercute a essência de um saber único, original, por aqui o descaso para com o conteúdo do seu gigantesco trabalho é agressão ao bom senso, afronta à inteligência e insulto à ciência do ensino. “Cascudo, onde você está? Cascudo? Cascudo, onde lhe encontro? Cascudooo? Caaaascuuuuuudooooooooo???” Silêncio. Só o silêncio por resposta.
Postado por Fernando Caldas