Manchete da reportagem da década de 1950, sobre a regeneração de Ângelo Roque
Autor – Rostand Medeiros
No Brasil a palavra “regeneração”, definitivamente é algo que o nosso
povo não sabe trabalhar muito bem em suas mentes e seus corações,
quando aplicada aqueles que erraram junto a sociedade, contra os que
praticaram crimes diversos, contra os que sofreram as duras penas da lei
e estiveram um período em alguma unidade prisional.
Dificilmente vemos o antigo presidiário como alguém que se regenerou.
Olhamos para ele mais com medo do que com esperança de que ali está uma
pessoa recuperada. Isso não é difícil diante verdadeiras masmorras
medievais que existem nos nossos presídios.
Por isso é que na história carcerária brasileira chama tanto atenção o
fato dos homens que foram cangaceiros, pelo menos os que se entregaram e
passaram um tempo presos, terem tido um índice de reincidência criminal
baixíssimo.
Na verdade digo “terem tido um índice de reincidência criminal
baixíssimo”, pois ouvi isso de outros pesquisadores do tema cangaço. Mas
confesso que nunca li e não tenho dados que comprovem especificamente
quantos antigos cangaceiros padeceram na prisão e quantos voltaram ao
crime após a liberdade.
Entretanto é vasto, inclusive amplamente divulgado na imprensa
brasileira das décadas de 1950 e 1960, que vários homens que andaram nas
caatingas debaixo do peso do chapéu de couro e do “pau de fogo”, ao
deixarem a prisão se tornaram os ditos “cidadãos de bem”, totalmente
regenerados. Muitos se tornaram pacatos funcionários públicos, pequenos
comerciantes, caixeiros viajantes e outros exerceram simples e honestas
atividades. Um dos casos mais emblemáticos na minha opinião é a
recuperação do chefe cangaceiro Ângelo Roque.
Vida Bandida
Em uma entrevista a um periódico carioca, repleta de fotografias,
temos a história de Ângelo Roque da Costa, o conhecido cangaceiro Anjo
Roque, o conhecido Labareda. Teria nascido em 1910, no lugar Jatobá,
depois pertencente ao município pernambucano de Tacaratu (e por isso
conhecido como Jatobá de Tacaratu), era filho de família humilde, mas
respeitada em seu lugar.
Lampião, o primeiro a esquerda, e seus cangaceiros
Na reportagem afirmou que entrou na vida do cangaço após matar um
soldado de polícia que desvirginou a sua irmã de 14 anos de idade. Roque
contou que o conquistador se chamava Horácio Cavalcanti, que havia
casado quatro vezes e quatro vezes abandonou as esposas. Consta que sua
família buscou a justiça de sua região, mas um juiz e outras autoridades
pouco deram importância ao sentimento de raiva de seus familiares.
Logo houve um encontro dos dois homens em um trem, a faca vibrou e
ambos ficaram feridos. Mas logo o jovem Roque, então com 16 ou 17 anos,
matou o soldado com um tiro de rifle e caiu “em desgraça” perante a
justiça.
Para sobreviver em uma situação como esta, naquele sertão atrasado,
só entrando para o cangaço. Foi em uma propriedade denominada Jurema que
Roque entrou no bando de Lampião, que lhe deu apoio e ambos se tornaram
grandes amigos.
Um Cangaceiro
Na reportagem Ângelo Roque detalhou que esperou 13 dias por Lampião
na propriedade Jurema. Logo Roque ficou alcunhado no bando como
Labareda. Comentou que Lampião sempre foi um homem de pouca conversa,
mas era extremamente hábil na luta das caatingas. Labareda informou que
passou dois anos andando junto a Lampião no seu bando, onde teve um
grande aprendizado na arte da guerrilha nordestina. Devido a sua
capacidade de comando e de combate, logo Labareda passou a comandar um
subgrupo de cangaceiros.
No seu processo de regeneração, o antigo cangaceiro aprendeu a ler e escrever
Para Roque era normal Lampião ter cerca de 60 homens em seu bando. Já
o famigerado cangaceiro Corisco andava com um grupo que tinha em torno
de 20 a 25 combatentes e Labareda seguia com uma média de 15
cangaceiros. Nesta vida Ângelo Roque da Costa permaneceu 16 anos em
luta, onde afirmou a reportagem ter combatido “200 vezes contra a
polícia”.
Lembrou aos repórteres que seu primeiro combate, sem especificar
datas, foi em Sergipe, onde cerca de 40 cangaceiros brigaram diretamente
com vários policiais, sem perdas para os “cabras” de Lampião, mas com a
morte de vários homens da lei.
Ângelo durante a entrevista
Para o cangaceiro Labareda os dias de cangaço eram “Dias
miseráveis!”, onde os cangaceiros tinham um ódio extremo aos policiais
e, assim que tinham alguma oportunidade, não perdiam a oportunidade de
desfechar terríveis ações violentas contra os membros da “Força”.
Em seus relatos Labareda afirmou categoricamente que era “Um
bandido”, que aquela vida lhe trazia muitas amarguras. Tanto que para
conceder a entrevista ele perguntou primeiramente ao Professor Estácio
de Lima se aquela exposição na imprensa seria positivo para ele. O
Professor Estácio concordou.
Ângelo Roque e o Professor Estácio de Lima
Na época da entrevista Ângelo Roque era um pacato funcionário do
Concelho Penitenciário da Bahia, morando em Salvador, onde trabalhava
como auxiliar de confiança do Professor Estácio.
Na Prisão
Após a morte de Lampião em 28 de julho de 1938, o cangaceiro Labareda
andou ainda quase dois anos pelas caatingas de armas na mão, tendo se
entregado as autoridades no início de abril de 1940, em Paripiranga,
Bahia. Logo ele e mais outros companheiros foram recambiados para
Salvador.
Fim de Lampião e seu bando
Na capital baiana, nos primeiros contatos com a imprensa na
Secretaria de Segurança, os cangaceiros já se encontravam de cabelos
cortados e usando paletó e gravata, mas Labareda fazia questão de ser
tratado pela patente de “capitão”. Na ocasião houve um encontro muito
animado com o cangaceiro Juriti, que já se encontrava detido. Comentaram
que do terraço da repartição chamou atenção dos agora ex-cangaceiros a
chegada ao porto de Salvador do paquete “L’Argentine”.
Saracura, companheiro de cangaço e de prisão de Ângelo Roque
Após a sua entrega justiça, Ângelo Roque da Costa foi julgado e
condenado a 95 anos de prisão, depois reduzidas a 30 anos e comutadas a
apenas 10 anos de cárcere. Mesmo com condenações tão elevadas no início
do seu período de detenção, ele manteve a calma e se tornou um
prisioneiro de comportamento exemplar.
O antigo cangaceiro Labareda entre as cabeças de Corisco e Lampião
Primeiramente foi enviado para o “Campo Experimental de Ondina”, em
Salvador, onde passou a cumprir seu tempo de prisão junto com os
companheiros de luta.
Lembrou que na época do início do cumprimento de sua pena, lhe chamou
atenção o interesse e a curiosidade provocada em várias pessoas pelos
ex-cangaceiros. Recordou que em uma ocasião receberam a visita de Renato
Monteiro, documentarista da “Tupy Films”, que realizou um pequeno filme
(provavelmente pago pelo Governo Federal), mostrando a regeneração dos
anteriormente temidos “Guerreiros das Caatingas”. Foram realizadas
filmagens daqueles homens em uma lavoura, tendo sido capturado as
imagens do antigo Labareda, de Saracura, Juriti, Jitirana, Velocidade e
cinco outros ex-cangaceiros.
Inclusive pelo bom trabalho realizado nesta lavoura, em 1944, durante
o período da Segunda Guerra Mundial, ele e outros 20 condenados pela
justiça receberam um prêmio da LBA-Legião Brasileira de Assistência.
Este programa era denominado “Hortas para a vitória!” e havia sido
implantado para incrementar e ampliar o que hoje denominamos de
agricultura familiar, tudo em prol do esforço de guerra brasileiro.
Ângelo Roque e a cabeça de Lampião
Como comentei anteriormente, não sei estatisticamente quantos dos
cangaceiros que se entregaram as autoridades reincidiram no crime. Mas
não deixa de chamar atenção pelas fotos aqui publicadas, como as
autoridades faziam questão de propagar a regeneração dos antigos
cangaceiros a imprensa brasileira.
Não sei se é utopia da minha parte, sei que os tempos e os problemas
são outros, mas bom seria se alguém da área de direito penal, ou de
alguma área relativa aos estudos penitenciários, se dispusesse a
pesquisar mais a fundo estes casos específicos dos ex-cangaceiros.
Talvez o resultado de um trabalho assim, poderia trazer lições do
passado que possam ajudar os “homens das leis” dos nossos conturbados e
violentos dias, a terem uma nova abordagem para a recuperação dos nossos
apenados.
http://tokdehistoria.wordpress.com