Ao meu Pai que Partiu...
A última vez que nos vimos foi no leito do hospital. Já bem debilitado, com dificuldade de falar, de ver, de compreender as coisas, mesmo assim, ainda conseguimos relembrar momentos de seu passado, de companhias boêmias, dos gostos, de suas composições e dos poemas. Dos poemas de sua autoria, naquele instante, lembrei de dois deles, O caminhar do poeta e Oração Final. O Caminhar do poeta foi uma homenagem que fez ao primo poeta Walflan Queiroz, penso
que esse poema é uma descrição da própria passagem final:
O CAMINHAR DO POETA - A WALFLAN DE QUEIROZ
Um olhar vago...distante...perdido
Eis o poeta a caminhar sem destino.
O mundo não é mais o seu mundo
As pessoas não são mais as mesmas.
No seu caminhar trôpego, na sua postura caída,
Já não existe mais esperanças,
De gritar bem forte a sua imensa dor,
Transformada em palavras e gestos!
De seus lábios balbuciando algo,
Que agora não mais se entendem.
Os seus gestos que eram fortes e vibrantes,
Agora são gestos incompreendidos.
O poeta apesar de sua falta de lucidez,
Sente tudo aquilo com amargura...
Mergulha talvez no seu passado distante
De marinheiro, “viajando por mares nunca dantes navegado”...
Penetra nas profundezas do inferno com Dante;
Luta contra os moinhos de vento;
Viaja com Ulisses para ouvir o canto
Das sereias e voltar para o seu grande amor.
Em cada porto da vida,
Desembarcava a procura de sua Tânia,
Musa inspiradora dos seus sonhos
E de seus versos...
Viajar pelo mundo não era mistério para o poeta.
Foi tudo e fez de tudo...
Como monge, encontrou Deus!
Mergulhou como fez São Paulo,
Em profunda meditação e sentiu dentro de si,
A potencialidade que o homem tem para amar,
Sofrer e reconhecer o quanto é fraco e pequeno diante de Deus!
Voltou a sua terra e para sua gente.
Aqui, a doença que sempre o perseguiu, agravou-se...
Já não conversava mais com os seus poetas favoritos...
Já não ouvia mais o marulhar das águas batendo no casco
Do navio, que tantas vezes o transportou pelo mundo!
Ainda és poeta! Poeta das palavras e gestos que não
Se entendem mais!
Palavras, gestos e olhares, que se perdem no espaço e no tempo!
Mas o poeta nasce, vive e morre como poeta!
Segue, poeta triste, poeta do mundo...
Poeta inesquecível de todos nós!
Caminha por estas ruas que são tuas, declama em cada canto
Os teus versos, que não querem ouvir...
Caminha carregando a tua cruz...
E quando partires no navio da incerteza,
Estaremos escutando os teus versos, declamado por ti,
Acompanhado de um coro de anjos,
Com um fundo musical de Mozart,
Ao longe, cantando suavemente uma Ave-Maria!
Daí-me senhor,
O dom de sentir que é chegada a hora
Da minha última partida.
Daí-me senhor,
A coragem suficiente para aceitá-la.
Daí-me senhor,
A lucidez necessária para fazer
Com que os outros compreendam
A grandeza deste momento.
Para que eles entendam que é preciso morrer,
Para viver eternamente.
Daí-me senhor,
Força bastante para poder na hora deste transe,
Refletir todos os meus atos,
Passados e presente da minha vida.
Daí-me senhor,
A humildade para pedir perdão
A todos aqueles a quem fiz mal,
Direta ou indiretamente.
Daí-me senhor,
Neste momento a consciência dos justos;
A coragem dos mártires cristãos
Que morreram no coliseu por ti;
Daí-me senhor,
A fé que remove montanhas;
Daí-me senhor,
A pureza de todas as criancinhas;
Daí-me senhor,
A sabedoria para reconhecer
O quanto sou fraco e imperfeito;
Daí-me Senhor
A alegria de sentir que neste momento,
Liberto-me de tudo que é material.
Daí-me senhor,
Como último pedido: a liberdade dos pássaros,
Para poder voar em espírito
E pousar em tuas mãos,
E nelas poder descansar a minha alma,
E purificar-me, nascendo para a vida eterna.