domingo, 16 de maio de 2010
Agricultor apela: “Se Deus não mandar a chuva, não sei o que vou fazer”
Isaac Lira, reporter.
A expressão “ao Deus dará” era usada em tempos remotos como negativa diante do pedido de esmolas de algum mendigo. Com o tempo, o “Deus dará” foi ganhando o sentido que tem hoje: de algo ou alguém jogado à sua própria sorte, sem rumo e auxílio. Contudo, desde o fim de abril a escassez de chuva no semi-árido potiguar emprestou de vez à famosa expressão as cores do desamparo. Não existe Deus dará. Deus não deu, a chuva não veio e o que sobra é isso: “Se Deus não mandar a chuva, eu não sei o que vou fazer. Não tenho por onde ir”, expressa o agricultor José Gilberto da Fonseca, de 59 anos, que planta e colhe milho, feijão, mandioca, desde os 10 anos no município de Santa Cruz.
Ao saber da história de José Gilberto é possível entender o porquê do sentimento de “ao Deus dará”. Ele vive na comunidade de Santa Luzia, a cerca de 10 quilômetros do município de Santa Cruz. O agricultor não sabe precisar quantas famílias exatamente vivem em Santa Luzia, embora tenha um motivo razoável para ter na memória a informação precisa: as famílias dos arredores sobrevivem todas da água armazenada em sua cisterna.
Como os tempos são de “seca verde”, onde a cor da paisagem dá uma falsa sensação de fartura, a água está escassa. Aliás, escassa para o consumo humano, rara para o crescimento do pasto para o gado e quase inexistente para o cultivo.
Dessa forma, o agricultor se vê numa “escolha de Sofia”: preparar a terra para plantar ou manter o pasto para o gado. Não existe uma única resposta e cada um segue a sua intuição. José Geraldo preferiu manter o pasto, mas não foi totalmente feliz em sua escolha. O alimento não foi conservado em quantidade suficiente e o criador já perdeu uma vaca, vitimada pela fome. Um outro animal foi salvo graças a cinco sacos de ração, contudo, como o dinheiro está acabando, as outras vacas – 18 no total – não terão a mesma sorte. Sem plantação e com os bichos secando mais que a paisagem, José Gilberto já planeja se desfazer de parte do patrimônio para conseguir sustentar a mulher, o filho, a nora e a neta de apenas três meses. “Se for o jeito, vou precisar vender algum animal. Fico com pena porque na época de fartura uma vaca dessas vale R$ 1 mil. Se for agora, mal pagam R$ 600”, lamenta.
Em situação semelhante e ao mesmo tempo inversa está o agricultor Manoel Batista da Silva, de 53 anos. Semelhante porque também não há perspectivas. Diversa porque Manoel fez uma escolha contrária a de Gilberto: preferiu plantar feijão e milho a manter o pasto para os animais. Como as precipitações têm sido irregulares, não há muita esperança que a colheita sirva para comer o resto do ano. Ao mesmo tempo, os animais emagrecem ao passar do tempo e devem estar nas mãos de um negociante esperto em breve. “Vou dar duas semanas, se não chover, vou vender pelo menos umas três cabeças de gado”, diz Manoel.
Os dois produtores rurais – Gilberto e Manoel – são ainda companheiros em outra sina. Falta água potável para a comunidade de Santa Luzia. Como a estiagem tem secado a cisterna de Gilberto, o que resta às famílias dos arredores são os barreiros, reservatórios de água reservados aos animais. “Ali bebe de tudo, urubu, boi, cachorro, o que o senhor imaginar. E também nós, quando não tem água na cisterna pra todo mundo”, diz Gilberto. E complementa: “É pouco pra todo mundo aqui da comunidade, mas eu não consigo negar água. Não sei o porquê. Só de pensar em negar água a um cristão já me dá uma coisa ruim”.
Dentre os produtores rurais, Manoel e Gilberto fazem parte de uma categoria ainda mais desamparada. A reportagem conversou com vários agricultores e a maioria listava um trunfo: a aposentadoria. “Quem tem aposentadoria ainda consegue dar um jeito”, explica o representante da Associação dos Produtores Rurais do Trairi. Gilberto, Manoel e muitos outros não podem contar com essa sorte. Estão, de fato, “ao Deus dará”. Mas e se Deus negar?
Projetos existem, falta agilidade na sua execução
É quando o rumo “natural” dos acontecimentos não engrena e uma parcela da população sente na pele os efeitos da desventura que o poder público tem a obrigação de cumprir o seu papel, qual seja proporcionar uma vida digna a todos, segundo a Constituição Brasileira. Os produtores rurais sabem disso. O que muitos deles não sabem é que os Governos federal e estadual aplicam uma série de projetos e programas para ajudar os agricultores a conviver com os inevitáveis e periódicos tempos de estiagem.
O grande projeto do Governo Federal para tentar amenizar a situação dos que sofrem com a seca é o Garantia-Safra, que paga R$ 550 para agricultores familiares que perderam pelo menos 50% da produção. Apesar de ser o carro-chefe do Governo, o projeto sofre com atrasos e dificuldades provenientes da burocracia. Na última semana, a parcela referente ao ano 08/09 começou a ser paga, um ano depois das perdas da safra. As perdas deste ano ainda estão sendo catalogadas e o dinheiro deve sair no próximo ano. “Infelizmente, o Ministério ainda não conseguiu dar agilidade suficiente para o processo. Mas uma coisa é certa: o dinheiro é pago e os produtores contam com essa renda”, diz Elton Dantas, extensionista rural da Emater.
Com relação à convivência imediata com a falta de água, atuam principalmente dois projetos no Estado. Um deles é do Governo Federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social, e o outro é da Secretaria Estadual de Recursos Hídricos. São o Segunda Água e o Programa Simplificado de Abastecimento, respectivamente. O Segunda Água atua na construção de tecnologias sociais de armazenamento de água, como cisternas, barragens subterrâneas, entre outros. É a Emater quem executa o programa, inclusive avaliando a viabilidade técnica de cada propriedade. As prefeituras são responsáveis pelo cadastro e indicação de quem deve receber o benefício. Da mesma forma, o Programa Simplificado de Abastecimento de Água, da Semarh, que consiste na perfuração de poços para comunidades pelo Estado. Cada poço serve a dezenas de famílias. “Temos ainda projetos de dessalinização, no chamado saneamento rural. Nosso projeto de perfuração de poços é um dos maiores do Brasil”, explica Féliz Fialho, coordenador de Gestão de Recursos Hídricos da Semarh. O primeiro programa – federal – tem o perfil de ajudar no armazenamento de água para a criação e o plantio, enquanto que o segundo procura dar água de qualidade para o consumo humano.
Para completar existe o sistema de financiamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Mais Alimentos). Nele é possível financiar, com baixas taxas de juros, tratores, silos, construção de barragens e uma série de outras benfeitorias. Nesse caso, a intenção é beneficiar uma série de cadeias produtivas (criação de animais e plantio).
Um fato que chama a atenção é que, apesar da existência de programas e projetos que amenizem a convivência com a seca, muitos dos produtores rurais não se sentem amparados pelo poder público. A reportagem conversou com vários na Associação de Produtores Rurais do Trairi e todos tinham reclamações. No caso do crédito, eles argumentam que os agricultores já não podem acumular mais dívidas. A título de informação, o Governo Federal estuda inclusive um novo perdão às dívidas de produtores rurais, em medida provisória a ser apreciada pelo Legislativo.
Nos demais projetos, ou não se conhece a sua existência ou eles ainda não conseguiram contemplar os produtores de locais mais afastados. Elton Dantas, da Emater, reconhece as dificuldades: “Não temos como chegar a todos os agricultores e por isso precisamos de parcerias com sindicatos e Prefeituras”. Félix Fialho confia no Programa Simplificado de Abastecimento para dar um destino mais digno a essa população. “Estamos com 60% da meta realizada. Iremos chegar a dois mil poços até o fim do ano”, encerra.
(Transcrito do jornal Tribuna do Norte, de Natal, 16.5.2010).
Júnior SantosApesar da existência de programas e projetos que amenizem a convivência com a seca, produtores rurais não se sentem amparados pelo governo
Se os desígnios de Deus são insondáveis, os caminhos traçados pelos homens, ao contrário, são passíveis de análise, classificação e definição. A chuva não veio. Ninguém há de levantar as mãos ao céu e blasfemar contra a vontade divina. O agricultor potiguar, ainda cheio de fé, bem sabe. Em contraponto, o mesmo produtor rural tem ciência de que pode e deve cobrar de alguém, não a falta de chuva, mas uma solução até mesmo paliativa para conviver com um problema secular e previsível. Apesar da existência de inúmeros projetos governamentais, o produtor rural potiguar ainda se sente desamparado.Ao saber da história de José Gilberto é possível entender o porquê do sentimento de “ao Deus dará”. Ele vive na comunidade de Santa Luzia, a cerca de 10 quilômetros do município de Santa Cruz. O agricultor não sabe precisar quantas famílias exatamente vivem em Santa Luzia, embora tenha um motivo razoável para ter na memória a informação precisa: as famílias dos arredores sobrevivem todas da água armazenada em sua cisterna.
Como os tempos são de “seca verde”, onde a cor da paisagem dá uma falsa sensação de fartura, a água está escassa. Aliás, escassa para o consumo humano, rara para o crescimento do pasto para o gado e quase inexistente para o cultivo.
Dessa forma, o agricultor se vê numa “escolha de Sofia”: preparar a terra para plantar ou manter o pasto para o gado. Não existe uma única resposta e cada um segue a sua intuição. José Geraldo preferiu manter o pasto, mas não foi totalmente feliz em sua escolha. O alimento não foi conservado em quantidade suficiente e o criador já perdeu uma vaca, vitimada pela fome. Um outro animal foi salvo graças a cinco sacos de ração, contudo, como o dinheiro está acabando, as outras vacas – 18 no total – não terão a mesma sorte. Sem plantação e com os bichos secando mais que a paisagem, José Gilberto já planeja se desfazer de parte do patrimônio para conseguir sustentar a mulher, o filho, a nora e a neta de apenas três meses. “Se for o jeito, vou precisar vender algum animal. Fico com pena porque na época de fartura uma vaca dessas vale R$ 1 mil. Se for agora, mal pagam R$ 600”, lamenta.
Em situação semelhante e ao mesmo tempo inversa está o agricultor Manoel Batista da Silva, de 53 anos. Semelhante porque também não há perspectivas. Diversa porque Manoel fez uma escolha contrária a de Gilberto: preferiu plantar feijão e milho a manter o pasto para os animais. Como as precipitações têm sido irregulares, não há muita esperança que a colheita sirva para comer o resto do ano. Ao mesmo tempo, os animais emagrecem ao passar do tempo e devem estar nas mãos de um negociante esperto em breve. “Vou dar duas semanas, se não chover, vou vender pelo menos umas três cabeças de gado”, diz Manoel.
Os dois produtores rurais – Gilberto e Manoel – são ainda companheiros em outra sina. Falta água potável para a comunidade de Santa Luzia. Como a estiagem tem secado a cisterna de Gilberto, o que resta às famílias dos arredores são os barreiros, reservatórios de água reservados aos animais. “Ali bebe de tudo, urubu, boi, cachorro, o que o senhor imaginar. E também nós, quando não tem água na cisterna pra todo mundo”, diz Gilberto. E complementa: “É pouco pra todo mundo aqui da comunidade, mas eu não consigo negar água. Não sei o porquê. Só de pensar em negar água a um cristão já me dá uma coisa ruim”.
Dentre os produtores rurais, Manoel e Gilberto fazem parte de uma categoria ainda mais desamparada. A reportagem conversou com vários agricultores e a maioria listava um trunfo: a aposentadoria. “Quem tem aposentadoria ainda consegue dar um jeito”, explica o representante da Associação dos Produtores Rurais do Trairi. Gilberto, Manoel e muitos outros não podem contar com essa sorte. Estão, de fato, “ao Deus dará”. Mas e se Deus negar?
Projetos existem, falta agilidade na sua execução
É quando o rumo “natural” dos acontecimentos não engrena e uma parcela da população sente na pele os efeitos da desventura que o poder público tem a obrigação de cumprir o seu papel, qual seja proporcionar uma vida digna a todos, segundo a Constituição Brasileira. Os produtores rurais sabem disso. O que muitos deles não sabem é que os Governos federal e estadual aplicam uma série de projetos e programas para ajudar os agricultores a conviver com os inevitáveis e periódicos tempos de estiagem.
O grande projeto do Governo Federal para tentar amenizar a situação dos que sofrem com a seca é o Garantia-Safra, que paga R$ 550 para agricultores familiares que perderam pelo menos 50% da produção. Apesar de ser o carro-chefe do Governo, o projeto sofre com atrasos e dificuldades provenientes da burocracia. Na última semana, a parcela referente ao ano 08/09 começou a ser paga, um ano depois das perdas da safra. As perdas deste ano ainda estão sendo catalogadas e o dinheiro deve sair no próximo ano. “Infelizmente, o Ministério ainda não conseguiu dar agilidade suficiente para o processo. Mas uma coisa é certa: o dinheiro é pago e os produtores contam com essa renda”, diz Elton Dantas, extensionista rural da Emater.
Com relação à convivência imediata com a falta de água, atuam principalmente dois projetos no Estado. Um deles é do Governo Federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social, e o outro é da Secretaria Estadual de Recursos Hídricos. São o Segunda Água e o Programa Simplificado de Abastecimento, respectivamente. O Segunda Água atua na construção de tecnologias sociais de armazenamento de água, como cisternas, barragens subterrâneas, entre outros. É a Emater quem executa o programa, inclusive avaliando a viabilidade técnica de cada propriedade. As prefeituras são responsáveis pelo cadastro e indicação de quem deve receber o benefício. Da mesma forma, o Programa Simplificado de Abastecimento de Água, da Semarh, que consiste na perfuração de poços para comunidades pelo Estado. Cada poço serve a dezenas de famílias. “Temos ainda projetos de dessalinização, no chamado saneamento rural. Nosso projeto de perfuração de poços é um dos maiores do Brasil”, explica Féliz Fialho, coordenador de Gestão de Recursos Hídricos da Semarh. O primeiro programa – federal – tem o perfil de ajudar no armazenamento de água para a criação e o plantio, enquanto que o segundo procura dar água de qualidade para o consumo humano.
Para completar existe o sistema de financiamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Mais Alimentos). Nele é possível financiar, com baixas taxas de juros, tratores, silos, construção de barragens e uma série de outras benfeitorias. Nesse caso, a intenção é beneficiar uma série de cadeias produtivas (criação de animais e plantio).
Um fato que chama a atenção é que, apesar da existência de programas e projetos que amenizem a convivência com a seca, muitos dos produtores rurais não se sentem amparados pelo poder público. A reportagem conversou com vários na Associação de Produtores Rurais do Trairi e todos tinham reclamações. No caso do crédito, eles argumentam que os agricultores já não podem acumular mais dívidas. A título de informação, o Governo Federal estuda inclusive um novo perdão às dívidas de produtores rurais, em medida provisória a ser apreciada pelo Legislativo.
Nos demais projetos, ou não se conhece a sua existência ou eles ainda não conseguiram contemplar os produtores de locais mais afastados. Elton Dantas, da Emater, reconhece as dificuldades: “Não temos como chegar a todos os agricultores e por isso precisamos de parcerias com sindicatos e Prefeituras”. Félix Fialho confia no Programa Simplificado de Abastecimento para dar um destino mais digno a essa população. “Estamos com 60% da meta realizada. Iremos chegar a dois mil poços até o fim do ano”, encerra.
(Transcrito do jornal Tribuna do Norte, de Natal, 16.5.2010).
ASSU EM VERSOS V
ASSU
Por Carolina Wanderley
Terra bendita, onde abriguei ditosa,
De minha infância as ilusões fagueiras,
Cercada, qual rainha majestosa,
Das verdes palmas das carnaubeiras;
Terra gentil que acolhes carinhosa,
Nas oiticicas densas e altaneiras
Bandos de aves gazis, que em voz maviosa
Cantam do sol às luzes derradeiras.
Se eu algum dia, trêmula, velhinha,
Presa `{a mágoa que aos poucos me definha,
Ao teu solo volver, berço risonho,
Agasalha-me ainda com ternura
Como outrora, nos dias de ventura,
Agasalhaste o meu primeiro sonho.
Por Carolina Wanderley
Terra bendita, onde abriguei ditosa,
De minha infância as ilusões fagueiras,
Cercada, qual rainha majestosa,
Das verdes palmas das carnaubeiras;
Terra gentil que acolhes carinhosa,
Nas oiticicas densas e altaneiras
Bandos de aves gazis, que em voz maviosa
Cantam do sol às luzes derradeiras.
Se eu algum dia, trêmula, velhinha,
Presa `{a mágoa que aos poucos me definha,
Ao teu solo volver, berço risonho,
Agasalha-me ainda com ternura
Como outrora, nos dias de ventura,
Agasalhaste o meu primeiro sonho.
sábado, 15 de maio de 2010
sexta-feira, 14 de maio de 2010
GEORGE SOARES É ENTREVISTADO PELA REVISTA "O PODER"
A revista O Poder, é encartada no Jornal de Hoje, e comemora nesse mês de Maio sua 9ª edição, além de falar sobre política, traz em suas páginas artigos assinados e uma coluna social.Ao longo desses nove meses, a revista já entrevistou varias personalidades políticas, como Agnelo Alves, Robinson Faria, Ricardo Mota, Carlos Eduardo, entre outros. E na edição de Maio/2010, O Poder resolveu entrevistar alguém que representasse os candidatos mais jovens que disputarão um cargo no pleito de 2010. E o escolhido, foi George Soares, que tem se destacado na mídia, não só por ser jovem, mas por estar com um trabalho focado em fortalecer o interior do nosso estado.George Soares é formado em Ciências Contábeis pela UFRN, com Especialização em Gestão de Empresas e Pessoas, é Presidente do PR em Assú e pré candidato a Deputado estadual. Em um papo bem a vontade, e diversas perguntas, a revista tenta mostrar a trajetória de vida de George, o que o motivou a entrar na política, a sua descendência política, a importância do Vale do Açú voltar a ter um representante na Assembléia Legislativa e suas expectativas para as eleições deste ano.George ainda falou sobre importantes projetos que fortalecerão o interior, como é o caso da viabilização da ZPE do Sertão.
Por Monaliza Tavares
RIOGRANDE
Por Bosco Lopes. poeta natalense
Rio grande da morte
Rio grande sem sorte
Rio grande sem forte
Rio Grande do Norte
Rio pequeno do Norte
Rio finito do corte
Rio seco de sorte
Rio Grande do Norte
Rio sem cais sem porto
Rio você já foi morto
Rio de leito torto
Rio chorando de fome
Rio triste sem nome
Rio cansado que some
ASSU EM VERSOS IV
ASSU
Por Geraldo Dantas
Assu, gleba feliz de rútilos poetas
Que a musa, enternecida, inspira, ardentemente!
Predestinado povo, em tua rima quente
Tua própria grandeza em versos intepretas!
Longe, as carnaubeiras tremulam, mansamente!
O leque em riste aos céus, garbosamente eretas,
Sempre a cantar hosanas à deusa dos estetas
Tal como um eterno hino ao Deus onipotente.
Oh! terra de grandeza... excelsa maravilha!...
Como é bela e risonha a majestosa trilha
Que palmilhas, cantando, em fulvos estribilhos.
Teu rio é um magistral poema alexandrino
Cinzelado ao calor de um sol alabastrino
Pela fada do amor, na pena dos teus filhos.
Por Geraldo Dantas
Assu, gleba feliz de rútilos poetas
Que a musa, enternecida, inspira, ardentemente!
Predestinado povo, em tua rima quente
Tua própria grandeza em versos intepretas!
Longe, as carnaubeiras tremulam, mansamente!
O leque em riste aos céus, garbosamente eretas,
Sempre a cantar hosanas à deusa dos estetas
Tal como um eterno hino ao Deus onipotente.
Oh! terra de grandeza... excelsa maravilha!...
Como é bela e risonha a majestosa trilha
Que palmilhas, cantando, em fulvos estribilhos.
Teu rio é um magistral poema alexandrino
Cinzelado ao calor de um sol alabastrino
Pela fada do amor, na pena dos teus filhos.
quinta-feira, 13 de maio de 2010
quarta-feira, 12 de maio de 2010
"Viajando o Sertão (IV)"
[Percurso – Santa Cruz – Cabeço Branco – Serro Corá – São Romão – Angicos – Assú - Paraú]
"Rodamos para Paraú, povoação que bati inteira com os pés infantis, há vinte anos. Corríamos em campos suaves, ladeados de vegetação fina e verde. Conversa-se em plantas têxteis, aproveitamento de fibras. Eu penso em Assú. Assú era a cidade literária da Província como Natal era a capital política. (...) Van Gennep demonstrou isto. Assú era, literariamente, o mais vivo centro da Província até os anos da República. Depois as andorinhas políticas cortaram os ares (...) para outros quadrantes. Assú ficou deserto e cheio de recordações (...). Lembro-me do velho Lucas Vanderlei, orgulhoso do Assú, recordando-lhe o passado. Tempo velho. (...) o caminho não permite um ‘memorial day’ assuense."
"O auto corre, galga os primeiros metros, num impulso rouco, pára trepidando (...). Um a um os autos se detém. Eu aproveito para pular a cerca e ir ver um milharal, imenso, (...), cheirando a São João, prometendo o cardápio sem par do nordeste. No lamaçal luta-se cortando mato para evitar o piso falso. Empurra-se. Conversa-se. Finalmente, num bramido de motores enfurecidos, os autos arrancam, atirando lama e folhas pelo ar. Passam. Eu ando a pé e vou retomar meu lugar adiante. A um dos caboclos que ajudaram a desvencilhar os carros, pergunto o nome do local. Tenho uma resposta que é uma ironia: – Isto aqui é ‘corredor da Fortuna’!..."
"A festa de Paraú é para mim um sopro que vem de longe (...). Vários homens eram meninos do meu tempo de irresponsabilidade jurídica. Dona Maroca Véras, Silvestre, Luiz Gondim, meu primo, a fama do meu nascimento em terras de Campo Grande e daí a aclamação para que eu falasse em nome da saudade que o ambiente revigora, tudo reapareceu, súbito numa vida poderosa."
"Depois do jantar fico dentro do automóvel parado com Alcides Franco falando sobre Integralismo, liberalismo e república democrática. Para mim é um encanto narrar como Plínio Salgado começou com nove rapazes e tem duzentos mil em dois anos, com o silêncio dos jornais e todas as baterias do ridículo assentadas contra ele."
Assina desta forma:
L. da C. C.
ASSU EM VERSOS III
ASSU
Por Antonio Soares de Araújo
Do Cabugi além, na sertaneja plaga
Que a estiagem flagela e a chuva enche de vida,
Onde a terra o Nordeste acaricia, afaga,
Do verde carnaubal a copa ao alto erguida,
Está, florente e bela, a cidade querida
Que é o meu berço natal. Por mais singela e vaga
A memória conserva, em saudade envolvida,
A impressão infantil que o tempo não apaga.
Recordo a várzea, o rio... aspectos que vi,
A lagoa Piató, na enchente e na vazante,
O parque e o laranjal da casa em que nasci.
Recordo a voz do sino em vibração feliz
E o cordeirinho branco, esguio e vigilante,
Solitário, girar, na torre da matriz.
A ESPERADA
Por João Lins Caldas, poeta açuense
A esperada não veio a esperada na vida
É o belo sonho para me inflamar.
Que ela não chegue, a bela comovida...
Que teria eu depois para ainda inflamar?...
A esperada não veio a esperada na vida
É o belo sonho para me inflamar.
Que ela não chegue, a bela comovida...
Que teria eu depois para ainda inflamar?...
terça-feira, 11 de maio de 2010
NÉ DANTAS UM HOMEM DE QUATRO MULHERES
"A bigamia é crime no Brasil. Isso quer dizer que um homem só pode se casar legalmente com uma única mulher, em contrapartida pode ter quantas amantes quiser ou for possível conciliar, na relação familiar ou financeira. Na região do Vale do Açu, a história do agricultor Manoel Salustiano Correia de Medeiros, conhecido popularmente como "Né Dantas", é uma das mais conhecidas, embora ele não esteja mais entre nós.
O fato que ainda é contado nas rodas de conversa entre amigos e parentes se passou no início do século XX, em meados de 1900, quando Seu Né tomou posse de uma propriedade de aproximadamente mil hectares, herdada dos pais, Antônio Dantas Correia de Medeiros e Maria Leocádia de Araujo Dantas de Medeiros. Nesse tempo, a fazenda se chamava "Volta", mas hoje todos só a conhecem por "Volta de Né Dantas".
Antes de se casar com Cristina Eliza de Medeiros, seu Né havia sido pai de um menino, fruto de uma das muitas aventuras que viveu durante toda a sua vida adulta. Tradicionalmente, as grandes famílias, para manter o equilíbrio dos valores sociais e econômicos, casavam os filhos com parentes, sendo o caso do casal Né Dantas e Cristina Eliza, que eram primos legítimos.
Mas, para que os pais da noiva aceitassem de bom grado o casamento, já que o rapaz possuía um filho, houve o compromisso por parte dos noivos de criarem o menino como se fosse filho do casal, desde que o noivo esquecesse o romance com a mãe da mencionada criança.
Porém, meses após o casamento, além do filho bastardo, seu Né Dantas levou para a "casa grande" da fazenda, a ex-namorada, mãe do garoto, obrigando a esposa a conviver, em harmonia, com a tal situação, mesmo esse fato tendo causado grande constrangimento às famílias.
Considerado um homem rígido em suas ações, seu Né Dantas passou à condição de bígamo, se relacionando maritalmente e constituindo família com as duas mulheres. Dessa forma, teve 22 filhos legitimados, sendo 11 homens e 11 mulheres, impondo a eles e suas mães uma vida de conturbações e abstinências. Tratava a todos como serviçais. Homens e mulheres indistintamente trabalhavam nas tarefas da casa e das roças. As crianças não tiveram acesso à escola. A pouca instrução que alguns receberam foi aplicada por Né Dantas, homem de muito conhecimento prático.
Nem a religião foi forte o suficiente para impedir que o agricultor vivesse com a poligamia. Devoto ao catolicismo, seu Né era possuidor de belos oratórios, do tipo barroco, onde, aos pés dos santos, ensinou aos filhos orações e gestos religiosos que foram passados para os netos.
Não dispensava o jejum da Semana Santa, nem as ofertas aos pedintes que costumeiramente distribuía-as pessoalmente. Filas eram formadas em frente à casa grande da fazenda e, posteriormente, defronte as casas de sua propriedade na Rua 24 de junho, antigo centro da cidade de Assu/RN.
DADOS
Mesmo com todas as responsabilidades conjugais, que requeria muita disposição, as duas mulheres morreram antes dele. Viúvo, ainda se casou novamente promovendo nova polêmica, quando colocou, na mesma casa, mais duas mulheres, que por sinal eram irmãs, que tiveram os nomes preservados a pedido da família. Segundo o seu neto, Nelson Dantas, fora os 22 filhos que criou, era comum para seu Né aparecer com uma criança dizendo ser dele, de outras "escapadas", para criar. "Nós nunca soubemos quantos outros filhos ele teve", adiantou Nelson, afirmando ainda que a última vez que contou, o avô tinha pra mais de 120 netos.
Seu Né Dantas morreu em 1965, aos 25 de dezembro, na casa dos 80 anos, não confirmados pela família que perdeu seus documentos."
Antes de se casar com Cristina Eliza de Medeiros, seu Né havia sido pai de um menino, fruto de uma das muitas aventuras que viveu durante toda a sua vida adulta. Tradicionalmente, as grandes famílias, para manter o equilíbrio dos valores sociais e econômicos, casavam os filhos com parentes, sendo o caso do casal Né Dantas e Cristina Eliza, que eram primos legítimos.
Mas, para que os pais da noiva aceitassem de bom grado o casamento, já que o rapaz possuía um filho, houve o compromisso por parte dos noivos de criarem o menino como se fosse filho do casal, desde que o noivo esquecesse o romance com a mãe da mencionada criança.
Porém, meses após o casamento, além do filho bastardo, seu Né Dantas levou para a "casa grande" da fazenda, a ex-namorada, mãe do garoto, obrigando a esposa a conviver, em harmonia, com a tal situação, mesmo esse fato tendo causado grande constrangimento às famílias.
Considerado um homem rígido em suas ações, seu Né Dantas passou à condição de bígamo, se relacionando maritalmente e constituindo família com as duas mulheres. Dessa forma, teve 22 filhos legitimados, sendo 11 homens e 11 mulheres, impondo a eles e suas mães uma vida de conturbações e abstinências. Tratava a todos como serviçais. Homens e mulheres indistintamente trabalhavam nas tarefas da casa e das roças. As crianças não tiveram acesso à escola. A pouca instrução que alguns receberam foi aplicada por Né Dantas, homem de muito conhecimento prático.
Nem a religião foi forte o suficiente para impedir que o agricultor vivesse com a poligamia. Devoto ao catolicismo, seu Né era possuidor de belos oratórios, do tipo barroco, onde, aos pés dos santos, ensinou aos filhos orações e gestos religiosos que foram passados para os netos.
Não dispensava o jejum da Semana Santa, nem as ofertas aos pedintes que costumeiramente distribuía-as pessoalmente. Filas eram formadas em frente à casa grande da fazenda e, posteriormente, defronte as casas de sua propriedade na Rua 24 de junho, antigo centro da cidade de Assu/RN.
DADOS
Mesmo com todas as responsabilidades conjugais, que requeria muita disposição, as duas mulheres morreram antes dele. Viúvo, ainda se casou novamente promovendo nova polêmica, quando colocou, na mesma casa, mais duas mulheres, que por sinal eram irmãs, que tiveram os nomes preservados a pedido da família. Segundo o seu neto, Nelson Dantas, fora os 22 filhos que criou, era comum para seu Né aparecer com uma criança dizendo ser dele, de outras "escapadas", para criar. "Nós nunca soubemos quantos outros filhos ele teve", adiantou Nelson, afirmando ainda que a última vez que contou, o avô tinha pra mais de 120 netos.
Seu Né Dantas morreu em 1965, aos 25 de dezembro, na casa dos 80 anos, não confirmados pela família que perdeu seus documentos."
Postado por Oeste News - Informações de Nelson Dantas.
ASSU EM VERSOS II
ASSU
Por Olegário de Oliveira Júnior
Sal, terra natal! Assu, berço de heróis!
Princesa do sertão, terra da liberdade,
Solo fecundo e bom, pátria de tantos sóis,
Sempre farta de luz, cheia de amenidade.
Teus verdes carnaubais trescalam suavidade
A doce orquestração dos ledos rouxinóis,
Sinto o olor da tristeza e amargo da saudade,
Assim longe de ti, gleba dos meus avós.
Tens glórias no passado e luzes no presente
Nas páginas da história, esplendorosamente
Teu nome jpa fulgura em letra multicor,
Salve glorioso Assu! Majestoso luzeiro
Berço róseo e gentil do meu sonho primeiro,
Terra que viu nascer o meu primeiro amor.
Postado por Fernando Caldas Fanfa
segunda-feira, 10 de maio de 2010
ASSU EM VERSOS I
ASSU
Por Edinor Avelino, escrito em 18.2.1923
Assu, formoso vale! Expressão, harmonia
Para um canto divino, poema superior
Daquele que, Anacreante, em seu tempo, dizia
Cantando a formosura, a natureza e o amor.
Terra boa! Visão que o habitante extasia
- Terra mãe lhe estendendo o seio acolhedor -
Onde ele achou a paz, a esperança, a alegria,
A abundância da seara e o perfume da flor!
Jardim da inspiração! Retiro doce e branco!
Cercanias que têm rebanho e zagais!
Várzea onde o rio vai, claro, se debruçando,
A distância a vence com as águas musicais,
E onde se escuta a voz dos pássaros louvando
A selva e a ostentação dos verdes carnaubais.
Postado por Fernando Caldas Fanfa
ME ENGANA QUE EU GOSTO
Por Paulo Sérgio Martins, jornalista
O mundo gira, os anos passam, o buraco de ozônio aumenta e as pessoas continuam a acreditar em discursos seculares sem propósito algum. “Vamos nos separar, mas vamos continuar amigos”, diz a fulana para as colegas na academia de ginástica. Por mais que você acredite neste discurso, no fundo sabe ser humanamente impossível gostar muito de alguém e vê-la nos braços de outra pessoa e ainda ser aquele amigo para as horas de angústia ou alegria. É balela do tipo premium.
Convívio civilizado não é amizade. E às vezes é pura necessidade quando há filhos na equação. Ex-namorados podem ser amantes, jamais amigos. Se forem, na prática é porque nunca sentiram nada realmente comovente ou foi só um passatempo ou namorico de adolescência. Em geral, um dos dois sempre vai gostar mais do que o outro. E não vai engolir essa de amizade depois que a gente vai embora. Até tentam, mas não leva muito tempo para um dos lados pedir penico e sumir do mapa. A gente conhece outras pessoas, se apaixona novamente, casa e tem filhos, se separa, casa de novo, mas ninguém fica amigo de ninguém.
Se nem Albert Einsten conseguiu decifrar os mistérios matemáticos do tempo, os casais acham que vão conseguir a proeza quando pedem “um tempo”. Metade das vezes, se você pede um tempo é porque está de olho em outra pessoa e quer ter a certeza que vai dar certo com ele (ou ela), nunca é para refletir coisa alguma. Na outra metade das vezes, é um jeito relativamente sincero de dizer que aquilo não vai dar certo em tempo algum.
Em uma pequena parcela das situações, os casais voltam a se encontrar depois do tal tempo. E até tentam se reconciliar. E funciona até o dia em que você descobre que o tempo serviu para um dos lados dormir com 37 pessoas diferentes que vão se transformar em 37 fantasmas iguais. Mas os dois melhores discursos são mesmo o da fidelidade e o do ex-marido.
Quando uma mulher compromissada vira para você e faz questão de dizer que é “super fiel”, pode pedir a conta do jantar e ir para o motel. É batata. Se alguém lhe diz que nunca fez “isso” antes, é porque já pulou mais cercas do que as ovelhinhas carnudas de Abrãao no Velho Testamento.
Fidelidade nunca foi um registro em cartório. Se alguém precisa dizer com todas as letras, é melhor você aceitar – ou aproveitar logo – porque é exatamente o inverso. E se a pessoa na sua frente falar mal do ex-marido ou ex-esposa, esqueça. É tesão enrustido, no mínimo.
Perceba como todo ex-marido é cafajeste, cachorro, egoísta, não vale um centavo. E toda ex-mulher é louca, surtada, ignorante e ruim de cama. O mais lógico seria a gente perguntar: e você precisou casar com ele para descobrir? Nada, foi preciso mesmo casar e ter filhos para descobrir a verdadeira face do mal, do carcará, do anhangá-tinhoso, do cão chupando manga, do belzebu disfarçado de ex-marido.
Mas a gente mantém a civilidade e concorda, faz até coro e dá apoio, principalmente se a divorciada for bonita. Mesmo quando a gente acha que em boca fechada não entra mosquito. Vai que no futuro sobra uma casquinha para você, né? Não tem jeito, nem assim, todos vão continuar falando mal do ex para todos os novos pretendentes, como se fosse um atestado de interesse por você.
Os discursos são realmente infalíveis e a lista é extensa. Tem o tal do “foi só um beijo”, tem aquele “somos apenas bons amigos”, além do imbatível “foi apenas uma vez” ou “não significou nada”. Geralmente não significa nada mesmo, o problema é definir o grau de intensidade do “nada” para você e para ela.
Às vezes a gente gosta tanto de alguém que ainda acredita nessas pequenas mentiras mesmo quando não acreditamos nem no começo. É o tal do bem maior. Ou do medo de perder, sem entender que às vezes a perda é o nosso maior ganho. Afinal, como diria a poeta Elizabeth Bishop, “a arte de perder não tarda aprender”.
O problema do discurso não são as palavras em si, é a necessidade que as pessoas têm de querer empurrar essas mentiras verdadeiras goela abaixo. Dos outros. É como uma verdade universal oriunda de uma sinceridade que simplesmente não existe.
No dia que a gente aprender a dar menos valor às palavras e mais valor às atitudes, quando uma pessoa abrir a boca para soltar um discurso infalível você pode voltar para casa com a consciência tranquila por ter ido embora antes de ouvir o resto da história. Evidente, seria um mundo inalcançável quando as mulheres vão parar de fazer questão de mostrar às amigas o namorado novo, mesmo sem gostar dele.
Até esse dia, resta-nos a complacência de ouvir um clássico “não sinto mais nada por você” e ver nos olhos dela que bastaria o som do primeiro pingo de chuva no chão para ela jogar tudo para o alto e entrar no primeiro táxi com você rumo ao desconhecido. Porque discurso sincero de verdade é aquele que a gente não responde falando. Muito menos escrevendo.
O JUMENTO NO SERIDÓ
Foto: Ilustração do blog.
Por Paulo de Balá, carta a Wodem Madruga, Tribuna do Norte 25 de abril de 2010
Entre um chuvisco e uma chuva e um relâmpago no meio, que ainda não definem uma quadra regular de inverno, como aconteceu no ano passado, o doutor Paulo Bezerra desvia o olhar do horizonte para cuidar de escrever suas cartas. Esta semana me chegou uma dando conta de quando o jumento apareceu no sertão e da enorme e valiosa serventia do muar para o desenvolvimento da região. É uma delícia sentar nessa garupa recontada pelo ilustre missivista:
- Woden, quando o jumento (Equus asinus) chegou ao sertão, significou uma enorme força de progresso e falam da entrada dele, no chão do Seridó, num prazo dilatado de trinta anos que vai de 1840 a 1870. Com a cruz nas costas e o casco duro e resistente a ponto de nunca estropiar, abriu veredas, carregou feira, levantou açude, transportou xiquexique, levou cangalha e sela, multiplicou a raça e deu origem ao híbrido burro(a)-mulo(a) – (Equius asinus caballo), outra peça importante no desenvolvimento do sertão. Por isso que os artesãos de Nova Jerusalém, em Pernambuco, num belo talhe de cantaria, lhe prestaram significativa e justa homenagem em monumento erigido à beira da estrada.
- Na caatinga das Barrentas, terra adquirida de João Raimundo, meu pai criava um magote de jumentas soltas com o “pai do lote”, para produção do valioso animal de trabalho. Terreno de caatinga com muito espinho, jurema e pereiro e, nos anos de chuva, capim panasco que de verde chegava a amarelo-dourado quando seco. Na cacimba, já funda de tanto lhe cavarem o fundo em busca d’água nos repetidos anos de estiagem, era onde os bichos iam matar a sede. Notavam-se muitos rastos nos caminhos e veredas e na praça da cacimba, levando a presumir a presença de animais além dos da fazenda e, como estercavam sempre no mesmo canto, o volume de esterco levava à mesma conclusão. Foi dado um aviso aos vizinhos, sem resultado. Feito um ajuntamento, os de dentro foram entregues a Cornélio do Bico pra lhes dar descaminho, mas na segunda apartação eram poucos os de fora e os donos estavam lá para resgatá-los. Depois disso os limites da terra foram respeitados.
- A maior concentração de jumentos era vista quando se levantava a parede de um açude. Dezenas deles e até centenas... Cada tropa se compunha de quatro a seis jumentos que carregados iam a passo curto, gemendo com o peso da terra e de volta, parede abaixo e escoteiros, chouteando. Logo se habituavam a andar na mesma trilha, ir ao ponde onde esvaziar as caçambas e voltar ao mesmo lugar de origem para enchê-las de novo, sempre na mesma ordem. A ração principal era o milho posto de molho de véspera pra amolecer, servido em mochila com um punhado de sal. Tropeiros chegavam de longe para o trabalho que principiava cedo, tinha uma pausa ao meio dia e se encerrava quando o sol ia se escondendo no poente. Fichas de zinco gravadas com o valor unitário de 1, 10, 50, 100 e 500, eram o comprovante das cargas de terra despejadas. Com o feitor da parede, de quem recebia a ficha, o tangedor trocava as fichas menores pelas maiores.
- Além dos jumentos de carga que eram muitos, havia os de sela que eram poços e os de besta, mais escassos ainda. Foi um corisco, num ano seco, que matou o jumento andaluz da sela de seu Antão da Ping’água e, de sangue pega, era o jumento roxo e graúdo dado por Tiburtino Bezerra ao irmão Silvino para cobrir as éguas do seu rebanho. Mas tudo foi passando, sobretudo, depois do abatedouro de Belo Jardim, em Pernambuco, que quase acaba com a raça. As apostas quanto ao número deles à direita ou à esquerda das estradas desapareceram e até a sua presença no “Beco da Troca” das cidades interioranas minguou. Na oportunidade em que um cidadão tecia loas ao seu jerico, por que isso, por que aquilo, um “caboco” bom de verso arrancou do miolo do seu versejar, o repente depreciativo:
“Não eleve esse jumento
Que isso é coisa muito à-toa
No caminho ele se deita
No terreiro ele se ‘acoa’
Apertado na espora
Solta um peido e a merda avoa.”
- O trator passou a fazer muito do que faziam os jegues. A carroça puxada a boi, que tem força no cangote, substituiu a do jumento, que tem força no espinhaço; os que andavam a cavalo passaram para o caminhão que anda mais ligeiro e pega mais gente e leva para a escola os poucos estudantes da zona rural. As motos se multiplicaram até por atender com mais ligeireza nas necessidades. Aos jegues, porém, continuam reservadas afazeres de grande valia.
- A velha Angélica, uma vitalina contadora de história de Trancoso e mestra em fiar algodão, morreu em consequência da queda de um jumento assim como o meu avô Félix da Pendanga que caiu de Moleque, um jumento preto, em 1937.
- Em Carnaúba dos Dantas, contou-me o Dr. Humberto Dantas, menino bom de lá, houve uma corrida de jegues onde dois eram os favoritos. Logo tomou distância Zé Cabeçote em sua monetária que botou boa dianteira na de Caco de Naninha. Folgado na frente, no entanto, ao passar diante de um grupo de pessoas, um sem vergonha gritou: “Vai Zé Cabeçote, vai!” como a incentivá-lo. Odiando o apelido, riscou o jumento e já se apeou de manga arregaçada, brabo, comendo um galo, grossas as veias do pescoço, investindo contra o povo, furioso: “Qual foi o ‘fela’? Apareça!”. Ninguém se mexeu, mas ele abufelado perdeu a corrida que estava ganha.
- E o rincho deles, amigo velho, como substituir? Aí, não. Aí há de sempre haver um casal procriando para que seus descendentes continuem a rinchar marcando as horas e quebrando o silêncio do sertão seja durante o dia, seja em noites claras de luar, seja em noites escuras que nem breu, daquela se meter dedo no olho.
- E lá no seu mundo chove? No meu chuvisca e, vez por outra, chove. Ronald Gurgel repete que o chão do Seridó é muito bom; o céu é que não presta...”
O burro dos poetas
Jorge Luis Borges também tem o seu jumento, “o asno de três patas”, criação de Zaratustra, que vive no meio do oceano e “que três é o número de seus cascos e seis o de seus olhos e nove o de suas bocas e dois o de suas orelhas”. Diz ainda que o “âmbar é o esterco do asno de três patas”. Está escrito em O livro dos seres imaginários.
Outro poeta, o espanhol Juan Ramõn Jiménez, Prêmio Nobel de Literatura de 1956, tinha o jumentinho Platero (Platero e Eu) com quem conversava sobre filosofia, debulhando “reflexões sobre os mistérios da vida e da alma”. E o burro de Sancho Pança, o fiel escudeiro de Dom Quixote, heim? Glória maior só o do jumentinho baixeiro que conduziu Jesus, o filho do Senhor, pelas ladeiras pedregosas de Jerusalém.
- Woden, quando o jumento (Equus asinus) chegou ao sertão, significou uma enorme força de progresso e falam da entrada dele, no chão do Seridó, num prazo dilatado de trinta anos que vai de 1840 a 1870. Com a cruz nas costas e o casco duro e resistente a ponto de nunca estropiar, abriu veredas, carregou feira, levantou açude, transportou xiquexique, levou cangalha e sela, multiplicou a raça e deu origem ao híbrido burro(a)-mulo(a) – (Equius asinus caballo), outra peça importante no desenvolvimento do sertão. Por isso que os artesãos de Nova Jerusalém, em Pernambuco, num belo talhe de cantaria, lhe prestaram significativa e justa homenagem em monumento erigido à beira da estrada.
- Na caatinga das Barrentas, terra adquirida de João Raimundo, meu pai criava um magote de jumentas soltas com o “pai do lote”, para produção do valioso animal de trabalho. Terreno de caatinga com muito espinho, jurema e pereiro e, nos anos de chuva, capim panasco que de verde chegava a amarelo-dourado quando seco. Na cacimba, já funda de tanto lhe cavarem o fundo em busca d’água nos repetidos anos de estiagem, era onde os bichos iam matar a sede. Notavam-se muitos rastos nos caminhos e veredas e na praça da cacimba, levando a presumir a presença de animais além dos da fazenda e, como estercavam sempre no mesmo canto, o volume de esterco levava à mesma conclusão. Foi dado um aviso aos vizinhos, sem resultado. Feito um ajuntamento, os de dentro foram entregues a Cornélio do Bico pra lhes dar descaminho, mas na segunda apartação eram poucos os de fora e os donos estavam lá para resgatá-los. Depois disso os limites da terra foram respeitados.
- A maior concentração de jumentos era vista quando se levantava a parede de um açude. Dezenas deles e até centenas... Cada tropa se compunha de quatro a seis jumentos que carregados iam a passo curto, gemendo com o peso da terra e de volta, parede abaixo e escoteiros, chouteando. Logo se habituavam a andar na mesma trilha, ir ao ponde onde esvaziar as caçambas e voltar ao mesmo lugar de origem para enchê-las de novo, sempre na mesma ordem. A ração principal era o milho posto de molho de véspera pra amolecer, servido em mochila com um punhado de sal. Tropeiros chegavam de longe para o trabalho que principiava cedo, tinha uma pausa ao meio dia e se encerrava quando o sol ia se escondendo no poente. Fichas de zinco gravadas com o valor unitário de 1, 10, 50, 100 e 500, eram o comprovante das cargas de terra despejadas. Com o feitor da parede, de quem recebia a ficha, o tangedor trocava as fichas menores pelas maiores.
- Além dos jumentos de carga que eram muitos, havia os de sela que eram poços e os de besta, mais escassos ainda. Foi um corisco, num ano seco, que matou o jumento andaluz da sela de seu Antão da Ping’água e, de sangue pega, era o jumento roxo e graúdo dado por Tiburtino Bezerra ao irmão Silvino para cobrir as éguas do seu rebanho. Mas tudo foi passando, sobretudo, depois do abatedouro de Belo Jardim, em Pernambuco, que quase acaba com a raça. As apostas quanto ao número deles à direita ou à esquerda das estradas desapareceram e até a sua presença no “Beco da Troca” das cidades interioranas minguou. Na oportunidade em que um cidadão tecia loas ao seu jerico, por que isso, por que aquilo, um “caboco” bom de verso arrancou do miolo do seu versejar, o repente depreciativo:
“Não eleve esse jumento
Que isso é coisa muito à-toa
No caminho ele se deita
No terreiro ele se ‘acoa’
Apertado na espora
Solta um peido e a merda avoa.”
- O trator passou a fazer muito do que faziam os jegues. A carroça puxada a boi, que tem força no cangote, substituiu a do jumento, que tem força no espinhaço; os que andavam a cavalo passaram para o caminhão que anda mais ligeiro e pega mais gente e leva para a escola os poucos estudantes da zona rural. As motos se multiplicaram até por atender com mais ligeireza nas necessidades. Aos jegues, porém, continuam reservadas afazeres de grande valia.
- A velha Angélica, uma vitalina contadora de história de Trancoso e mestra em fiar algodão, morreu em consequência da queda de um jumento assim como o meu avô Félix da Pendanga que caiu de Moleque, um jumento preto, em 1937.
- Em Carnaúba dos Dantas, contou-me o Dr. Humberto Dantas, menino bom de lá, houve uma corrida de jegues onde dois eram os favoritos. Logo tomou distância Zé Cabeçote em sua monetária que botou boa dianteira na de Caco de Naninha. Folgado na frente, no entanto, ao passar diante de um grupo de pessoas, um sem vergonha gritou: “Vai Zé Cabeçote, vai!” como a incentivá-lo. Odiando o apelido, riscou o jumento e já se apeou de manga arregaçada, brabo, comendo um galo, grossas as veias do pescoço, investindo contra o povo, furioso: “Qual foi o ‘fela’? Apareça!”. Ninguém se mexeu, mas ele abufelado perdeu a corrida que estava ganha.
- E o rincho deles, amigo velho, como substituir? Aí, não. Aí há de sempre haver um casal procriando para que seus descendentes continuem a rinchar marcando as horas e quebrando o silêncio do sertão seja durante o dia, seja em noites claras de luar, seja em noites escuras que nem breu, daquela se meter dedo no olho.
- E lá no seu mundo chove? No meu chuvisca e, vez por outra, chove. Ronald Gurgel repete que o chão do Seridó é muito bom; o céu é que não presta...”
O burro dos poetas
Jorge Luis Borges também tem o seu jumento, “o asno de três patas”, criação de Zaratustra, que vive no meio do oceano e “que três é o número de seus cascos e seis o de seus olhos e nove o de suas bocas e dois o de suas orelhas”. Diz ainda que o “âmbar é o esterco do asno de três patas”. Está escrito em O livro dos seres imaginários.
Outro poeta, o espanhol Juan Ramõn Jiménez, Prêmio Nobel de Literatura de 1956, tinha o jumentinho Platero (Platero e Eu) com quem conversava sobre filosofia, debulhando “reflexões sobre os mistérios da vida e da alma”. E o burro de Sancho Pança, o fiel escudeiro de Dom Quixote, heim? Glória maior só o do jumentinho baixeiro que conduziu Jesus, o filho do Senhor, pelas ladeiras pedregosas de Jerusalém.
VIAJANDO O SERTÃO (III)
L. da C. C.[Percurso – Santa Cruz – Cabeço Branco – Serro Corá – São Romão – Angicos – Assú]"Assú dá-nos impressões várias. Aqui houve o ‘fogo de 40’, ali falavam os oradores na campanha da abolição que foi vitoriosa antes da lei de 13 de maio, além apruma-se o mais velho sobrado. As andorinhas passam, inúmeras, povoando o ar de sonoridade pelo frêmito do vôo rápido. A praça é deserta sob o palor das lâmpadas. Eu falo de integralismo, toponímia, algodão. (...)""Pela manhã tivemos a linda festa do Colégio Nossa Senhora das Vitórias. A vitória maior é viver aquelas freiras ilustres, quase todas nórdicas, num clima ardente como do Assú. O colégio é uma maravilha de ordem, disciplina, rendimento educacional e beleza de espírito. Sente-se que ali se trabalha para receber no outro mundo paga maior.""Na saída sei que iremos para o Centro Artístico Operário Assulense. Mas o Ângelo Pessoa tem um operário para mostrar-me e atravesso os areais da cidade (...) onde, numa casa caindo de velha e negra de velhice, mora José Leão, sexagenário, ‘fazedor de santos’.Esse José Leão, como as andorinhas, são duas fortes impressões do Assú. É o tipo do imaginário primitivo, sereno, resignado, incompreendido, passando fome, trabalhando sem esperança, sem ambiente, sem auxílio, sem estímulo, insensível e obstinado, artista legítimo, com uma intuição de escultura, um senso decorativo, um tipo de moldar as fisionomias que lembra a rudeza elegante e máscula de Memling. José Leão mostra-me dezenas de santos, crucifixos, anjos, ovelhas místicas. Não tem instrumentos. São pedaços de canivetes (...), cacos de louça, pires bolorentos, quingas de coco (...). Longe de ter nossa mania de beleza dos Santos moldados em gesso e feito à maquina, iguais e bonitinhos, José Leão grava na imburana plástica rostos humanos, bem semelhantes ao tipo humano, possíveis e naturais. Ninguém compreende a maestria daquela intuição que lá fora o faria rico e aqui o mata de fome. Eu tive nas mão uma Nossa Senhora do Perpétuo do Socorro verdadeiramente maravilhosa. Um São José, um São João Batista, que estão sem preço, pedem uma página de elogio pela firmeza incrível com que aquele velho gravou os traços morais na árvore que lhes deu nascimento e vesti-os com uma precisão minuciosa e pictórica dum desenhista à Batps.O studio é fumacento e frio. Andrajoso e triste, com uma melancolia superior e expontânea, o imaginário recebeu-nos erguendo-se devagar duma rede sem cor. Na mão havia um livro. Não era o ‘Flos Santorum’. Era a ‘Retirada da Laguna’ E creio que o símbolo é fiel. Aqui esta ele fazendo sua retirada, sem roupa, sem pão, sem aliados, sem abrigo mas guardando todas as armas do trabalho, as forças da vontade e as bandeiras da fé. José Leão trabalhador sem reclame, saúdo-te em nome dos que trabalham com alma e morrem sem glória."Assina desta forma:
- O jornal publica novamente a versão oficial da viagem ao Sertão.
"No dia 18 o Interventor chegou a vila de Augusto Severo (...).""O Dr. Mário Camara teve uma magnífica recepção por parte dos mais significativos elementos sociais de Augusto Severo (...).""Às 16 horas deu-se a partida falando o Dr. Câmara Cascudo, despedindo-se da terra de seus pais e avós e evocando as famílias tradicionais dos Melos, Veras e Jacomes, sendo demoradamente aplaudido.""A viagem para Caraúbas retardou-se pelo estado do caminho (...).""Realizou-se o banquete assistido pelo escol local. (...) Dr. Mário Camara , (...) pediu ao Dr. Câmara Cascudo que, em nome dos presentes da comitiva, saudasse a Família de Caraúbas, ali representadas pelos seus mais legítimos elementos. O Dr. Câmara Cascudo (...) levantando sua taça em saudação à mulher caraubense, mãe, esposa e filha, tecedeira de felicidade, artífice da paz, mãe de soldados e de marinheiros e de lavradores, seiva de fé que se perpetua na coragem com que o sertanejo enfrenta e vence a natureza, corrigindo-lhe a fisionomia (...)."
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Um dos princípios que orientam as decisões que tratam de direito do consumidor é a força obrigatória dos contratos (derivada do conceito de ...
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