quarta-feira, 27 de novembro de 2019

EU SOU MEU LINDO TORRÃO
O açude já secou
Tem o velho cacimbão,
Eu sou a flor do sodoro
Seca braba no sertão
O sertanejo guerreiro
O aboio do vaqueiro
Nesse bonito torrão.
Eu sou ponche de limão
Também suco do umbuzeiro,
O humor de João Fulô
À sombra do juazeiro,
Sou água fria do pote
Ao lado tem caçote,
Sou menino beradeiro.
Saudade da minha terra
Bela vivenda extasia
No sertão do meu lugar
Que no meu peito irradia
É bonita a invernada
Tem leite, queijo e coalhada
No meu chão é alegria.
Sou o caminho do Grupo
No recreio tem poli,
Ele cuspiu já é tarde
Poesias de Ibani,
Um vate desde menino
Declamou Pedavelino
Cante lá e eu aqui.
Marcos Calaça é professor e cordelista.
Antigo açude Odilon.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

A PRECE

Por João Lins Cladas

Senhor, Tu me mostrastes todas  as estrelas e me acenaste para mim todos os brilhos do Teu mundo celeste.
A teoria dos astros em revoada
Arcanjos de longas asas como brilhantes acesos numa noite
flamejante de eternidade.
Noite sem noite
Sóis demorados
Sóis acesos como um deus, o sol aceso numa noite flamejante de eternidade.
Noite sem noite
Sóis demorados
Sóis acesos como um Deus, o sol de todas as horas fulguramente inflamadas.
Senhor, Tu em mim Te derramaste como a essência imponderável de todas as cousas,
De todo os seres,
As cousas como a Verdade
A beleza
A razão
O amor de Deus como liberdade
Senhor, como o próprio Deus.

Senhor, Tu foste em mim o como que limite do ilimitado,
O país sempre azul do eterno azul inconcretizado de todas as distâncias.
No concerto das cousas, o abstrato de todas as cousas, a marcha indefinida para a perfeição.
Senhor, e me foste a vida,
A poesia,
A canção,
A música por todas as marchas,
A marcha da vida, ilimitada,
O ilimitado sol do teu clarão...
... Senhor, e depois me deste do meu vasto coração
Um coração para todos os espinhos,
Um coração para todas as espadas,
E para todos os ferros
E depois, nos ferros, os ferros mais esbraseados.
Senhor, assim que me deste este meu vasto coração.

E de mim, no que sou, este meu coração a rolar por todas as pedras;
A subir e a descer por todas as escarpas,
Todas as cinzas, e negruras, a poeira negra do mais negro chão...
Ah! Senhor, desde que um céu desconcertado,
Enterra-me, Senhor, neste Teu como que cemitério ilimitado.
O espaço sem consciência e sem razão...


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'A TOURADA QUE NÃO HOUVE'

                                              



Nos idos de cinquenta, na cidade de Assu, interior do Rio Grande do Norte (onde de tudo acontece), chegou um circo que trazia no seu elenco, um toureiro muito arrojado, chamado Zé Tostão. Ele, o toureiro, bem como a administração do circo começou a propagar pelas arredores da cidade assuense dizendo assim: "Quem tiver touro valente, pode trazer para o circo!" Dando a entender que o toureiro venceria o touro rapidamente! O poeta assuense Andière Abreu (Majó) narra no longo poema intitulado de 'A tourada que não houve', aquela estória vivida por ele e demais amigos. Vejamos: : 

Logo que o circo chegou
Para toda Assu bradou
Que no seu elenco vinha
Um toureiro renomado
Valente, muito arrojado
Pois, muita coragem tinha.

Para falar a verdade
Percorreu toda a cidade
Com microfone na mão,
Gritando pra toda gente
Quem tiver touro valente
Traga para Zé Tostão.

Do gado dizendo horrores
Insultou os criadores,
Ferindo assim nosso brio,
Ele fez tanto barulho
Que mexeu com nosso orgulho
Topamos o desafio.

Majó e Chico Germano
Mais o Chicó que é seu mano
Juntamo-nos a Melé
Fomos procurar o touro
Só achamos no criadouro
De Francisco Pacaré.
Então mexemos o bico
Fomos falar com seu Chico
Pra cumprir a empreitada,
Ele pronto concordou
E o touro logo arranjou
Pra fazermos a tourada.

Para agradar Zé Tostão
Escolhemos com atenção
O melhor touro do gado,
Quinze arrobas e colhudo,
Bem forte e muito pontudo,
Mais bravo que irritado.

Cor preta de cara branca
Bem feito de peito e anca
Batizado Papangu.
Com cores desportista
Tinha que ser mesmo artista
Da nossa querida Assú.

Arengueiro e bem valente
Brigou com cavalo e gente
Fez uma festa sozinho,
Arrombou cerca e portão
Botou um muro no chão
Fez rastro em todo caminho.

O touro entrou numa casa
Passou por cima de brasa
Deu carreira em muita gente,
Respeito a nada a ninguém
Em jumento deu também
Pra mostrar que era gente.

Duas cordas na cabeça
Para que ninguém esqueça
Vou dizer quem segurava.
Era Henrique e Carnaúba
Iguais a maçaranduba
Mais fortes que fera brava.

Fora os vaqueiros citados
Foram ainda convidados
Cisso de Padre e Barão
Luiz Batista e Navega
Parando em toda bodega
Para aguentar o rojão.

Só para ter uma ideia
Toda esta grande epopeia
Durou um dia completo,
E o percurso era pequeno
Mas de indiferentes foi pleno
Deixou o povo inquieto.

E a tourada que não houve
Somente ao touro se louve
Pela sua valentia,
Pois noutro dia bem cedo
Toureiro e artista com medo
Deixaram a praça vazia.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Caso você não saiba, a Biblioteca do Vaticano foi digitalizada e está online

VATICAN LIBRARY
Michal Osmenda I CC BY-SA 2.0

75.000 códices, 85.000 incunábulos e mais de um milhão de livros foram gradualmente enviados para o site

A Biblioteca Apostólica Vaticana, mais conhecida simplesmente como “IVA”, foi oficialmente criada em 1475, embora seja na verdade muito mais antiga.
Era 1451 quando o próprio papa Nicolau V, renomado bibliófilo, tentou restabelecer Roma como um centro acadêmico de importância global, construindo uma biblioteca relativamente modesta de mais de 1.200 volumes, incluindo sua coleção pessoal de clássicos gregos e romanos e uma série de textos trazidos de Constantinopla.

The Apostolic Vatican Library recently announced that it had completed the digitization of a manuscript of about 1600 years of age, which contains fragments of the epic text that was commissioned by the Emperor Augustus in the first century BC

A Biblioteca Apostólica Vaticana anunciou recentemente que completou a digitalização de um manuscrito de cerca de 1600 anos de idade, que contém fragmentos do texto épico que foi encomendado pelo imperador Augusto no século I aC.
Hoje, a Biblioteca do Vaticano tem cerca de 75.000 códices, 85.000 incunábulos (ou seja, edições feitas entre a invenção da imprensa e o século 16), num um total de mais de um milhão de livros.
Agora todos esses tesouros estão sendo exibidos online, graças a um processo de digitalização minucioso. Pouco a pouco, no entanto. Você pode pesquisar a biblioteca, disponível para qualquer pessoa com acesso à internet, e baixar seus arquivos clicando aqui.

De: https://pt.aleteia.org/

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

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“Só nos dão o osso” – entrevista com Ariano Suassuna

No aniversário de 82 anos do escritor, reveja conversa realizada com ele em 2005

Por Renato Rovai e Felipe Mazzoni

Em meio a celebridades festejadas pela mídia como Salman Rushdie, Jô Soares e o “ideólogo” Arnaldo Jabor, ele brilhou sozinho. Sua palestra, que ele prefere chamar de aula, foi de longe a mais concorrida da 3ª Festa Literária Internacional de Paraty, realizada no mês passado. Não apenas na sala do evento, mas do lado de fora e próximo ao telão que transmitia sua fala, Ariano Suassuna, aos 78 anos, completados no último dia 3 de agosto, hipnotizava as pessoas que se aglomeravam para ouvi-lo.

Entre estas pessoas estava João Filho, baiano de Bom Jesus da Lapa. O jovem de 30 anos também chamou a atenção do público presente em Paraty e começa a se firmar como uma das promessas da literatura brasileira. Com seu livro Encarniçado, lançado no ano passado, João apresenta ao público um novo e original estilo de narrativa, oralizado, lembrando um pouco a cultura popular do Nordeste. Fórum convidou os dois escritores para estabelecer um diálogo entre duas gerações de artistas com estilos distintos, mas origens semelhantes. Acompanhe abaixo trechos da instigante conversa entre Ariano Suassuna e João Filho. João Filho — Como o senhor, eu também sou entusiasta do Dom Quixote. (Ariano Suassuna tinha tratado de Dom Quixote em boa parte da palestra — que ele prefere chamar de aula — que ministrara na Flip um pouco antes da entrevista).

Ariano Suassuna – Que maravilha!

Fórum – Seu Ariano, em muitos textos seus e também no Auto da Compadecida, muitos trechos que o senhor utiliza são de cantorias e de literatura de cordel. Fale um pouco dessa sua profunda relação com a cultura popular da sua região.

Ariano Suassuna – Assisti ao primeiro cantador quando ainda era menino lá na minha terra, em Taperoá, sertão da Paraíba. E naquele dia participava um grande cantador, chamado Antonio Marinho, que, além dos improvisos, cantou um folheto, escrito por ele, que me causou grande impressão. Depois, me lembro de um dia na biblioteca de meu pai. Ele era um grande leitor, sabia versos de cor e era amigo de um escritor cearense chamado Leonardo Motta, que foi um dos pioneiros da documentação sobre os poetas populares. E lembro que estava olhando a biblioteca de casa e vi que ele tinha dedicado um dos seus livros ao meu pai. Dedicou a seis pessoas, entre as quais o meu pai, que é citado como uma das fontes que comunicaram versos a ele. Então, você imagine o orgulho que eu tinha. Eu na biblioteca, pego aquele livro e meu pai está lá como personagem. Foi aí que comecei a ver que aqueles cantadores, que eu tinha ouvido com tanta alegria, eram assunto de livros, que o que eles faziam eram coisas importantes. Ficou sacralizado pra mim o cantador. Não é por acaso, talvez, que quando fui escrever O Auto da Compadecida me baseei em três folhetos. Estão todos os três citados no livro de Leonardo Motta. Foi O Enterro do Cachorro, de Leão de Gomes de Barros, O Cavalo que Defecava Dinheiro, que também acho que é dele, e o Castigo da Soberba, que é dado como de autoria de dois autores folclóricos, Anselmo Vieira de Souza e Silvinho de Pirauá. Eu me baseei nesses três folhetos para fazer o Auto da Compadecida.

Fórum – O que o senhor acha que poderia ser feito para que a cultura brasileira fosse melhor trabalhada nas salas de aula, na educação formal?

Ariano Suassuna – Olhe, não sou muito bom nisso, não. Esse é mais um assunto de educador e de sociólogo, sou um escritor. Por acaso me interesso por esse tipo de coisa, mas não sei exatamente o que se pode fazer. Mas uma coisa eu sei, se os meios de comunicação de massa dessem um pouco mais de audição para a nossa cultura isso ajudaria muito.

João Filho – Eu sou de Bom Jesus da Lapa (interior da Bahia) e também venho dessa tradição. O cordel também está muito vivo em mim, quando começaram a ler meu texto me falaram que ele tinha uma ligação muito forte com rap e eu disse que não. Com o rap não, tem com o repente…

Ariano Suassuna – Achei muito bom você falar nisso, porque outro dia assisti colocarem para uma disputa um rapista com um repentista. Mas esse rapista levou uma pisa, uma surra tão grande, que fiquei com pena dele. Vou dizer uma coisa: os repentistas têm uma presença de espírito tão grande, uma riqueza dentro deles tão grande, que faz a diferença. Já o rap não é uma coisa brasileira, é americana, uma coisa de importação, uma deformação. Eu estou habituado a ver o improvisador, mas sempre me surpreendo.

Fórum – Mesmo que você já tenha ouvido uma glosa (*1), por centenas de vezes ela parece sempre nova.

Ariano Suassuna – É que ainda tem o improviso. Uma vez dei um mote a um cantador, “a vida venceu a morte”. Olhe, que não é fácil, né? E foi glosado no momento, porque quem deu o mote fui eu. Veja o que ele me faz:

Na vida material, cumpri o sagrado destino,
O filho de Deus divino, nos deu glória espiritual,
Deu o bem tirou o mal, livrando-nos da má sorte,
Pai de seu suplicio forte, como o maior dos heróis,
Morreu para dar vida a nós, a vida venceu a morte.

João Filho – É uma décima, né?

Ariano Suassuna – É uma décima , exatamente. É uma beleza. Outra vez estava apresentando cantadores. Era a primeira vez que eu apresentava cantadores, no Recife, no Teatro Santa Isabel. Tinha 19 anos e por acaso estavam uns estudantes que começaram a ficar meio enciumados. Eram de fora e eles por ciúme resolveram participar. E fizeram o que hoje se chama de happening, uma performance. Um deles ficou com as mãos nos bolsos e o outro ficou por trás. O de cá discursava e o de lá fazia gestos; quando ele terminou o público aplaudiu educadamente. Mas aí quando os cantadores retomaram, eles estavam cantando um estilo de sextilha (*2) que se chama gemedeira, porque diz “ai, ai, meu Deus” antes da última estrofe. Aí, Lourival Batista, que era um desses cantadores, disse:

João Filho – Ele é um gigante…

Ariano Suassuna – Pois é, ele disse, deixe me ver se eu me lembro da estrofe:

O de trás dava banana,
O da frente discursava,
Quanto mais um se“ inxiria”,
Mas o outro se encostava.
Atrás ainda tinha um jeito,
Ai, ai, meu Deus,
Na frente é que eu não ficava.

(risos).

João Fillho – Tem uma diferença do rap com o repente, que é a riqueza da forma do repente. Não é fácil usar sextilha. A décima é ainda mais complicado…

Ariano Suassuna – O pessoal que não conhece a poética não sabe, mas a décima é uma estrofe com dez versos de sete sílabas. O primeiro verso tem de rimar com o quarto e o quinto, o segundo tem de rimar com o terceiro, o sexto e o sétimo têm de rimar com o décimo e o oitavo, com o nono, quer dizer, você tem de improvisar e fazer essas rimas tudo ali, na hora.
João Filho – É algo que parece impossível, né?

Ariano Suassuna – Uma vez estava assistindo a uma cantoria num lugar chamado Santa Luzia de Sabuji e na frente da cantoria estava um camarada, um tal de seu Joventino, com um 38, um revólver desse tamanho aqui, e um cantador quando dá um mote que ele não glosa ele se considera desmoralizado. Então estava um cantador chamado Heleno Belo, estava lá glosando os motes, aí um camarada, um inimigo da humanidade, um camarada que estava lá atrás, abaixou e gritou: seu Joventino é ladrão. Que era pra ele glosar.

João Filho – Isso é a morte…

Ariano Suassuna – É a morte, rapaz. Aí ele com uma baita presença de espírito, disse:

Só deixando de glosar,
embora seja um defeito,
quem glosa fica sujeito,
a ferir ou melindrar,
agora eu vou me arriscar,
ofendendo ao cidadão,
que com calma e educação,
podia ser meu amigo,
você diz, mas eu não digo,
seu joventino é um ladrão.

(risos)

Fórum – A cultura popular, e o repente mais especificamente, tem perdido espaço no Nordeste?

Ariano Suassuna – Eu já vi muita gente ir lá para o Nordeste profetizar o fim do repente. E já vi muitos dos que profetizaram irem embora para o outro lado e o repente continuar lá. Agora, evidentemente, com a falta de atenção que se tem aqui no Brasil, é difícil. Mas hoje mesmo existem grandes cantadores por lá, grandes improvisadores, grandes repentistas,

João Filho – Tem um poeta de São Paulo, o Glauco Mattoso, que pegou a forma do repente e está fazendo repente de muita qualidade, só que urbano. Mas não perdeu a forma.

Ariano Suassuna – Não tem problema de ser urbano, é a mesma coisa.

Fórum – Antes da entrevista estávamos conversando um pouco a respeito da aula do senhor e ela é a demonstração de que não é um anseio da população abrir mão de sua tradição, de sua cultura. A prova de que não é, é que a aula do senhor foi a mais concorrida, a mais aplaudida e a que teve a maior fila para autografar um livro nesta Flip.

Ariano Suassuna – Olha, meu amigo Capiba, que era um grande compositor, uma figura extraordinária, ficava indignado quando diziam que cachorro gosta de osso. Ele dizia, só dão osso ao cachorro, depois dizem que ele só gosta de osso. Ele adora comida como todo mundo. Ele dizia, bote um osso e bote um filé para ver qual é que ele escolhe. Agora não estão deixando a juventude brasileira entrar em contato com o filé. Só estão lhes dando osso.

Fórum – E o senhor atribui isso principalmente aos meios de comunicação?

Ariano Suassuna – Às vezes as pessoas pensam que sou contra a televisão. Digo, não, sou contra é o modo como a estão fazendo. A televisão é uma coisa maravilhosa, mas o que tem de arte ali é muito pouco. Tem noticiário, entretenimento, negócio e só de repente aparece uma obra de arte. Em geral, eles só mostram o que não presta e depois fazem uma enquete e perguntam: o que o senhor acha dos programas? E as pessoas dizem que gostam do que não presta. Claro, eles só vêem o que não presta.

Fórum – Da adaptação do Auto da Compadecida o senhor gostou bastante.

Ariano Suassuna – Gostei muito, tenho muita sorte. Antes do Auto da Compadecida, eu tive duas peças encenadas na televisão, por Luis Fernando Carvalho, que é um diretor que admiro muito. Ele adaptou duas peças minhas, A Fada da Boa Preguiça e uma Mulher Vestida de Sol. Dois espetáculos belíssimos. E gostei muito da adaptação do Guel (Arraes) também, do Auto da Compadecida.

João Filho – Voltando ao começo, quero lhe agradecer uma coisa, de o senhor falar tanto a respeito do Dom Quixote e da leitura clássica. Sabe, eu lá longe, em Bom Jesus da Lapa, às vezes fico me sentindo muito só, me achando meio arcaico. Fico lá lendo Quixote e clássicos e escrevendo minhas coisas e me sinto longe. Mas com essa sua aula de hoje e agora vendo essa entrevista, lavei a alma…

Ariano Suassuna – Fico muito contente, até porque Cervantes não é arcaico nem nunca será. Aquele ali é contemporâneo, eterno e será sempre para todas as gerações. E o Quixote ainda hoje é romance de vanguarda. E vai ser até o fim dos tempos. E esses que querem olhar pra ele por cima do ombro, não vão longe. Nunca vão chegar lá.

Fórum – Dom Quixote tem um peso mais próximo da Ilíada, de Homero. É algo mais clássico. Dá para dizer que é mais algo de um pensador do que um romance de fato.

Ariano Suassuna – Eu concordo.

João Filho – E o senhor sempre defende que é necessário sonhar, como o Dom Quixote, né?

Ariano Suassuna – Eu acho, claro. O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado.

Fórum – Um dos seus grandes sonhos era que a esquerda chegasse ao poder no Brasil, não é verdade? Como o senhor está avaliando o governo Lula?

Ariano Suassuna – A esquerda não chegou ao poder, a esquerda chegou ao governo, que é outra coisa muito diferente. Isso ainda vai demorar muito, se é que vem. É outra coisa. Vocês se lembram daquilo que eu disse hoje a respeito de meu pai. Meu pai viveu um drama, né? Porque ele tinha essa vocação política, que graças a Deus não tenho. E imagino as decepções e o sofrimento que ele passou. E estou vendo Lula na mesma situação. Quando falei de meu pai na aula de hoje, estava fazendo uma referência a Lula. (Na palestra que realizou antes da entrevista, Ariano contou que seu pai era político e idealista, mas sofreu muito no poder por ter de lidar com aqueles que usam o poder público para interesses particulares.) Você imagine que desgosto Lula não está, porque ele é um homem honrado.

Fórum – Mas o senhor considera que é possível um partido de esquerda chegar ao poder e não ao governo, como o senhor disse, disputando dentro da lógica capitalista?

Ariano Suassuna – Vocês têm razão, acho que não. A tendência é esse povo acabar sempre sendo vitorioso, porque eles é que valem e correspondem às coisas mais baixas, ao interesse, ao egoísmo, coisas desse tipo. E nós, nós pensamos em uma idéia de justiça, coisa assim. É difícil, é difícil.

Fórum – O senhor considera o Lula uma figura quixotesca?

Ariano Suassuna – Veja que engraçado, uma vez eu estive num ato público de apoio a Lula e um amigo, de quem gosto muito, ao ver meu retrato com Lula, disse que era Dom Quixote e Sancho. Eu seria Dom Quixote e Lula seria Sancho, porque o Lula é baixinho e gordinho (risos)… Bom, aí eu disse, pode até ser, porque quando chegou a hora de dar o governo da ilha, Dom Quixote deu a responsabilidade a Sancho, que fez um bom governo. O político era Sancho. Mas, mesmo assim, depois de um desgosto muito grande, ele terminou saindo, quando descobriu o que tinha ao redor. Ele saiu e foi chorar com o jumento. Eu acho que Lula está mais ou menos nessa situação. Acho que ele já está chorando com o jumento.

Fórum – Nesse caso, quem seria o jumento?

Ariano Suassuna – Olha, não sei. O jumento é uma figura fraterna junto de Sancho… Existe um padre, uma pessoa muito boa do Recife, padre Daniel Lima, e ele uma vez fez uma conferência, e disse que Dom Quixote representava o sol, a generosidade e a justiça. E que Sancho era a burguesia. Eu disse não, não é. Sancho é o povo, o povo espanhol. O que representa alguma coisa que se pode dizer burguesia são aqueles proprietários espancadores, aqueles que ficam zombando de Dom Quixote e de Sancho, fingindo. Até fingem que dão a ilha a eles, o que não é verdade. E os dois acreditam. Esses é que são a burguesia. Pois bem, pronto, essas figuras que ficam cercando o Lula, representam esse povo, os espancadores. Infelizmente é isso. Agora, imagino o desgosto e a surpresa de Lula ao descobrir isso. Eu que estou aqui mais longe, estou com vergonha. Você, imagine ele. É a primeira vez que um filho pobre do Brasil real chega ao governo e passa um desgosto desses.

João Filho – Acho bonito que suas idéias, sua defesa cultural esteja influenciando gente mais nova lá de Pernambuco. O Antônio Nóbrega é um deles, não é verdade?

Ariano Suassuna – Nóbrega foi meu companheiro desde o Quinteto Armorial (*3). Quer dizer, desde que eu era diretor do departamento de extensão cultural da universidade. Foi aí que ele começou. Ele e o Antonio Madureira, que era o coordenador do quinteto, um senhor músico.

Fórum – E com o movimento Mangue Beat, o senhor teve alguma relação?

Ariano Suassuna – Tive, mas olhe bem, eu inclusive….

Fórum – Esse beat no nome complica, né? (risos)

Ariano Suassuna – Pois é, o líder deles, eu gostava muito, o Chico. Ele chegou junto de mim dizendo, mestre, ele me chamava de mestre, e me disse que era um armorial. E respondi, então por que você se chama Chico Science? Eu dizia a ele: gosto muito da sua parte Chico, mas com a sua parte Science eu não quero negócio não (risos.) Mude o nome para Chico Ciência que eu subo com você no palco.

João Filho – E o Cordel do Fogo Encantado?

Ariano Suassuna – Outro dia o líder do Cordel disse que eles começaram a se reunir depois que eu fui fazer o armorial lá na terra deles, em Arco Verde. Eles pegaram o touro na unha e resolveram fazer também. Agora, eu sinto falta de um movimento mais amplo. Dou muita importância ao movimento modernista porque ele deu o romance de Mário de Andrade, a poesia do Drummond, a escultura de Brecheret e Bruno Giorgi, a música de Villa Lobos. Aí eu vejo o movimento mangue, cadê a escultura de lá? Cadê o romance? É uma coisa que só pega um setor da música, acho pouco. Não tem uma amplitude, não tem um embasamento de pensamento.

(*1) De acordo com o dicionário Hoauiss, “décima (vrs) única, na qual se inclui o mote de um ou de dois versos”
(*2) Estrofe que segue o esquema de rima abcbdb
(*3): “A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos ‘folhetos’ do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus ‘cantares’, e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados”. Essa é a definição a respeito do movimento dada pelo próprio Ariano Suassuna, no Jornal da Semana, Recife, 20 maio 1975.

Quanto ao Quinteto Armorial, trata-se de um grupo formado em Recife, em 1970. Foi o mais importante grupo a criar uma música de câmara erudita brasileira de raízes populares. Ligado ao Movimento Armorial, de Ariano Suassuna, o grupo era composto tanto por rabeca, pífano, viola caipira, violão e zabumba quanto por violino, viola e flauta transversal. Seus integrantes eram Antônio José Madureira, Egildo Vieira do Nascimento, Antonio Nóbrega, Fernando Torres Barbosa e Edison Eulálio Cabral. Gravaram quatro LPs até o fim do grupo, em 1980. Antônio Nóbrega seguiu carreira solo e seu trabalho mantém profundas relações com o armorial.

Junho 16, 2009 

Conheça a incrível ponte que termina num túnel embaixo do mar



A Ponte Oresund é um dos maiores feitos da engenharia moderna



Imagine o nível de complexidade envolvendo a criação de uma longa ponte, para tráfego intenso de veículos e trens sobre o mar. Pra complicar ainda mais a vida do engenheiro, a ponte deve desembocar em um túnel sob as águas! A obra existe e atende pelo nome de Ponte Oresund, um dos maiores feitos da engenharia moderna, ligando a Dinamarca à Suécia de uma forma absolutamente incrível.
oresund
Entrada do túnel "submerso" da Oresund Bridge: um dos maiores feitos da engenharia moderna
Essa construção extrema envolve todo o complexo de Oresund Fixed Link, que conecta as cidades de Malmö, na Suécia, a Copenhage, na Dinamarca. Partindo de Copenhagen, os motoristas passam primeiramente pelo impressionantetúnel submerso com 4km de comprimento. Em seguida, volta-se ao nível do mar sobre Peberholm, que é uma ilha artificial construída a partir dos materiais descartados durante a construção. Em seguida, chega-se propriamente à ponte, que é estaiada e possui 8km de extensão.
É, portanto, a maior ponte estaiada do mundo, considerando o tráfego de veículos e trens. A construção teve início em 1995 e terminou em 1999. O seu custo foi de aproximadamente 5,7 bilhões de dólares.
Veja agora nos vídeo a seguir imagens dessa extraordinária “ponte-túnel”.
1. Vídeo com vista aérea da ponte, gravado em um AirBus:
2. Vídeo com outras vistas áreas da ponte:
3. Rápido vídeo jornalístico sobre a ponte:
4. Vídeo gravado a bordo de um veículo, cruzando todo o complexo:
5. Documentário completo sobre a construção da ponte:

Governadores do Nordeste encerram missão na Europa com reunião no Ministério da Economia da Alemanha

Terminou hoje, com um compromisso dos governadores no Ministério da Educação da Alemanha, à missão na Europa do Consórcio Nordeste.
Os governadores se encontraram com o diretor para Cooperação Internacional em Educação e Pesquisa, Frithjof Maennel e solicitaram apoio para a Educação Profissional e para promover intercâmbio de alunos do ensino médio dos 9 estados nordestinos com a Alemanha.

Participaram da missão os governadores Fátima Bezerra (RN), Rui Costa (BA), Renan Filho (AL), Camilo Santana (CE), João Azevêdo (PB), Paulo Câmara (PE), Wellington Dias (PI) e Belivaldo Chagas (SE), e o vice-governador Carlos Brandão (MA).

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Antes da Educação os governadores nordestinos foram aos Ministérios da Economia e da Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

“Temos muitas empresas com experiências nos setores de saneamento e energias limpas que podem se interessar por projetos no Nordeste. Queremos fazer uma parceria com vocês nessas áreas. Para nós é importante a preservação da floresta amazônica para aceitação desses projetos com o Brasil”, explicou o secretário de Estado do Ministério da Economia, Ulrich Nussbaum.

“Sabemos que a proteção do clima e das florestas tropicais é uma das temáticas mais importantes. Temos muito interesse em cooperar com o consórcio, em ações como a proteção ambiental. Sabemos do grande potencial que seus estados têm na área de energia renovável”, disse o diretor para a América Latina do Ministério de Cooperação Econômica e Desenvolvimento, Volker Oel.
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, informou que o Estado trabalha com mapa eólico e solar que identifica novas áreas favoráveis à instalação de novos campos de produção de energia. “Isso abre caminhos para atrair novos investimentos, estreitar laços e ampliar a integração econômica e cultural”, afirmou.

Fotos Elisa Elsie

quinta-feira, 21 de novembro de 2019


Anos 1940/1950

Na cabeça do menino de sete anos que chegava do interior para morar em Natal em fins dos anos 1940, a Capital do Rio Grande do Norte representava um espetáculo novo, um deslumbramento, para quem nunca tinha visto tanta coisa nova. Seu primeiro espanto ao descer do caminhão-misto, no qual veio do sertão pra cá foi ver um bonde, aquela coisa quadrada, uma “sopa”que num tinha motor, pneus e muito menos direção… E o motorista ficava em pé…E quando então viu o mar, quase pirou de vez. Um açude no qual não se via o outro lado, quem já viu?…Nem o Itans, de Caicó – o maior que tinha visto – chegava perto daquilo! O bairro do Alecrim, onde se fixou com a família, era um universo grandioso para seus padrões. Uma feira gigantesca aos sábados, um mercado que funcionava durante todo o dia, cuscuzeiros de manhã cedo, sorveteiros o dia todo, vendedores de mugunzá nos fins das tardes vendiam seus produtos porta-a-porta e garrafeiros compravam garrafas secas. No carnaval, a praça do Quitandinha enchia-se de gente e uma das marchas mais ouvidas era “Minueto, tu és do municipal…O maior, sem rival”, de Herivelto Martins e Benedito Lacerda, inspirada no Minueto, de Beethoven. Na Cidade Alta, bairro mais sofisticado, ainda poucas casas comerciais e os cinemas mais alinhados. Mas era nesta Velha Ribeira que as coisas realmente aconteciam. O grosso do comércio era aqui, muitas lojas de variedades, inclusive a famosa “4.400”, totalmente consumida por um incêndio, em 1949. O que o deslumbrava sobremaneira, eram os trens de carga, ou de passageiro, uns bichos realmente extraordinários, com aquela fumaça preta saindo das chaminés e as buzinas chorosas, estridentes, eram espetáculos que ele nunca perdia, nas tardes em que vinha para a casa de um parente na rua Pitimbu e encarapitava-se no muro do fundo do quintal, só p´ra vê-los, quando passavam lá embaixo, na rua Ocidental. Porém, um trem por maior que fosse em razão dos vagões que arrastava era “pinto”, frente a um navio. Os vapores de bandeira brasileira que aqui aportavam, chamavam-se “paquetes” e uns vinte deles, eram conhecidos como “Itas”. Entre eles, o Itaimbé e o Itanagé, frequentemente atracavam aqui e consta que três deles: O Itapagé, o Itagiba e o Itaúba tinham sido torpedeados e afundados por submarinos nazistas durante a Guerra em mares brasileiros. Os “Itas” inspiraram o baiano Dorival Caymmi, que compôs a música de grande sucesso: “Peguei um Ita no Norte… E vim p´ro Rio morar…” Assistir a atracação de um Paquete era espetáculo impressionante. Contudo, o “espetáculo dos espetáculos” que se assistia nesta Velha Ribeira, envolvia a terra, dos trens e a água, dos navios: era a decolagem e amerissagem no Potengi, dos hidroaviões, os “Catalinas”, como se tornaram conhecidos aqui. Eles tinham base nas Rocas, no aeródromo que ficou famoso como “A rampa”, por causa da estrutura de concreto que dava acesso à terra firme aos “Catalinas” que pousavam no rio Potengi. Se um submarino alemão pôs à pique “Itas” brasileiros, segundo os registros, foi um “Catalina” brasileiro que afundou um submarino nazista, durante a Guerra, também em costas do Brasil. E, aos domingos e feriados, o que encantava o menino, também tinha localização na Ribeira. Eram as lanchas de Luiz Romão, dono da Agência Pernambucana, que junto com botes à vela faziam o transporte de pessoas e carga entre o cais da Tavares de Lira e o trapiche, tosca armação de mateira, no lado do rio Potengi, na praia da Redinha. Porque a ligação por terra, via Igapó, entre os dois lados do rio
ainda era muito precária…
Quanta saudade!
Por Aurino Araújo

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

POESIA MATUTA



Por Renato Caldas

Namorei uma cabôca
Qui é naturá do sertão
Tinha uma fulô na boca
E nos oios dois ladrão
Aqueles oios bonito
Duas pedras de curisco
Não são oios de muié
aquela boca incarnada
Bonita cumo arvorada
Fere mais que cascavé

Seus oios são dois ladrão
Dois gatuno arrifinado
Qui basta oiá pro coitado
Pra ele ficá gamado
Ficar sem vida sem aima
Sem esperança, sem caima
Sem tudo qui Deus lhe deus
Mas mermo assim ele quer
Qui os oios dessa nuié
Robe tudo qui for seu.

Aquela boca incarnada
Quando começa a falar
Parece petras orvaiada
Da fulô do camará
Ah! Se um dia a minha boca
Na tua boca incostasse
E adespois de nós defunto
Talvez num desapregasse.
Ela tem 91 anos e ainda pinta as casas de sua pequena cidade, simplesmente linda.
Um lençol caído no chão, às vezes ninguém nota. Para mim que sei que foi deixado por alguém, é poesia! O gesto desse alguém, o lençol guardou...

Renato Caldas

LUIZ CARLOS LINS WANDERLEY – 1831/1990, foi um dos primeiros poetas do Assu, primeiro médico e romancista do Rio Grande do Norte. Foi também...