quinta-feira, 21 de novembro de 2019


Anos 1940/1950

Na cabeça do menino de sete anos que chegava do interior para morar em Natal em fins dos anos 1940, a Capital do Rio Grande do Norte representava um espetáculo novo, um deslumbramento, para quem nunca tinha visto tanta coisa nova. Seu primeiro espanto ao descer do caminhão-misto, no qual veio do sertão pra cá foi ver um bonde, aquela coisa quadrada, uma “sopa”que num tinha motor, pneus e muito menos direção… E o motorista ficava em pé…E quando então viu o mar, quase pirou de vez. Um açude no qual não se via o outro lado, quem já viu?…Nem o Itans, de Caicó – o maior que tinha visto – chegava perto daquilo! O bairro do Alecrim, onde se fixou com a família, era um universo grandioso para seus padrões. Uma feira gigantesca aos sábados, um mercado que funcionava durante todo o dia, cuscuzeiros de manhã cedo, sorveteiros o dia todo, vendedores de mugunzá nos fins das tardes vendiam seus produtos porta-a-porta e garrafeiros compravam garrafas secas. No carnaval, a praça do Quitandinha enchia-se de gente e uma das marchas mais ouvidas era “Minueto, tu és do municipal…O maior, sem rival”, de Herivelto Martins e Benedito Lacerda, inspirada no Minueto, de Beethoven. Na Cidade Alta, bairro mais sofisticado, ainda poucas casas comerciais e os cinemas mais alinhados. Mas era nesta Velha Ribeira que as coisas realmente aconteciam. O grosso do comércio era aqui, muitas lojas de variedades, inclusive a famosa “4.400”, totalmente consumida por um incêndio, em 1949. O que o deslumbrava sobremaneira, eram os trens de carga, ou de passageiro, uns bichos realmente extraordinários, com aquela fumaça preta saindo das chaminés e as buzinas chorosas, estridentes, eram espetáculos que ele nunca perdia, nas tardes em que vinha para a casa de um parente na rua Pitimbu e encarapitava-se no muro do fundo do quintal, só p´ra vê-los, quando passavam lá embaixo, na rua Ocidental. Porém, um trem por maior que fosse em razão dos vagões que arrastava era “pinto”, frente a um navio. Os vapores de bandeira brasileira que aqui aportavam, chamavam-se “paquetes” e uns vinte deles, eram conhecidos como “Itas”. Entre eles, o Itaimbé e o Itanagé, frequentemente atracavam aqui e consta que três deles: O Itapagé, o Itagiba e o Itaúba tinham sido torpedeados e afundados por submarinos nazistas durante a Guerra em mares brasileiros. Os “Itas” inspiraram o baiano Dorival Caymmi, que compôs a música de grande sucesso: “Peguei um Ita no Norte… E vim p´ro Rio morar…” Assistir a atracação de um Paquete era espetáculo impressionante. Contudo, o “espetáculo dos espetáculos” que se assistia nesta Velha Ribeira, envolvia a terra, dos trens e a água, dos navios: era a decolagem e amerissagem no Potengi, dos hidroaviões, os “Catalinas”, como se tornaram conhecidos aqui. Eles tinham base nas Rocas, no aeródromo que ficou famoso como “A rampa”, por causa da estrutura de concreto que dava acesso à terra firme aos “Catalinas” que pousavam no rio Potengi. Se um submarino alemão pôs à pique “Itas” brasileiros, segundo os registros, foi um “Catalina” brasileiro que afundou um submarino nazista, durante a Guerra, também em costas do Brasil. E, aos domingos e feriados, o que encantava o menino, também tinha localização na Ribeira. Eram as lanchas de Luiz Romão, dono da Agência Pernambucana, que junto com botes à vela faziam o transporte de pessoas e carga entre o cais da Tavares de Lira e o trapiche, tosca armação de mateira, no lado do rio Potengi, na praia da Redinha. Porque a ligação por terra, via Igapó, entre os dois lados do rio
ainda era muito precária…
Quanta saudade!
Por Aurino Araújo

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