terça-feira, 2 de maio de 2017

A arte de amar é a mesma de ser poeta.

Cecília Meireles

Em quais pontos a reforma da Previdência mexe com servidores. E em quais deixa tudo como está

BSPF     -     

Texto em discussão na Câmara define idade mínima obrigatória para funcionários públicos e pode impor transição dura para quem assumiu cargo antes de 2003. Policiais e professores conseguiram manter regimes especiais e militares ficaram de fora.
Quando anunciou sua intenção em reformar a Previdência, em julho de 2016, o presidente Michel Temer cogitava criar um regime único de aposentadorias, que englobasse os servidores públicos e os trabalhadores do regime geral, vinculados ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
 A iniciativa chamou a atenção de quem defendia um tratamento equilibrado do governo em relação aos dois universos: quem trabalha no setor público e quem trabalha para a iniciativa privada. À época, o Palácio do Planalto havia acabado de apoiar a aprovação de reajustes para diversas categorias do funcionalismo, ao custo de R$ 69 bilhões até 2018, em plena recessão e alta do desemprego — e  uma semana depois de defender o congelamento dos gastos públicos por 20 anos.
 A proposta de emenda à Constituição para reformar a Previdência foi enviada em dezembro de 2016 à Câmara com algumas regras na direção de unificar a aposentadoria dos servidores com os dos trabalhadores vinculados ao INSS. A principal delas é o estabelecimento de uma mesma idade mínima obrigatória de aposentadoria para os dois sistemas — na versão atual do texto, de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres.
Ao longo de cinco meses de tramitação, algumas mudanças propostas sobre o regime de aposentadoria dos servidores foram suavizadas e outras, endurecidas. O texto deve ser votado em uma comissão especial da Câmara até o dia 3 de maio. Depois segue para o plenário da Casa, e ainda precisará ser votado pelo Senado.
Veja em que aspectos o texto da reforma da Previdência em discussão na Câmara mexe nas aposentadorias dos servidores e em quais ele não altera as regras.
Regra dura para servidores mais antigos 
Servidores que ingressaram no serviço público antes de 2003 tinham direito a dois benefícios na hora de se aposentar: integralidade (benefício igual ao valor do último salário) e paridade (benefício reajustado nos mesmos percentuais dos aumentos salariais concedidos ao pessoal da ativa). O relator da reforma da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), propõe que esses servidores sejam obrigados a se aposentar pela idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres caso queiram manter o direito à integralidade e à paridade. A implementação da regra seria imediata, sem período de transição. A pressão dos servidores contrários a essa medida é grande e há chances de ela ser excluída do texto.
Aumento da idade mínima para todos 
Hoje, servidores podem se aposentar por tempo de contribuição (aos 60 anos de idade e 35 de contribuição para homens e 55 anos de idade e 30 de contribuição para mulheres), se tiverem no mínimo 10 anos de serviço público. Eles também podem se aposentar por idade, com 65 anos para homens e 60 para mulheres, com no mínimo 10 anos de serviço público. A proposta em discussão acaba com a aposentadoria por tempo de contribuição e exige a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres que desejam se aposentar — as mesmas idades que serão exigidas no regime geral do INSS.
Limites a quem acumula aposentadoria e pensão
 Hoje é permitido o acúmulo de pensão com aposentadorias. Uma aposentada servidora, por exemplo, que tenha sido casada com um servidor público já falecido, acumula sua aposentadoria e a pensão relativa ao seu marido. Se o texto for aprovado, o acúmulo será permitido somente até o valor de dois salários mínimos — R$ 1.874, em valores atuais.
Policiais conseguiram reduzir idade mínima
 No atual sistema, não há idade mínima exigida para um policial se aposentar. Homens têm direito ao benefício pelo valor integral após 30 anos de contribuição e 20 anos de atividade e as mulheres, 25 anos de contribuição e 15 anos de atividade. O texto fixa a idade mínima de 55 anos para se aposentar. A versão inicial da reforma pretendia equiparar a idade mínima dos policiais aos dos demais servidores e trabalhadores — nos termos atuais, 65 anos para homens e 62 para mulheres —, mas o relator concordou em suavizar a exigência.
Professores terão idade mínima de 60 anos 
Professores da educação básica têm hoje direito a aposentadoria especial, por idade ou por tempo de contribuição. Na aposentadoria por idade, homens podem requisitá-la aos 55 anos e as mulheres, aos 50. Na por tempo de contribuição, homens podem fazê-lo após 30 anos de atividade e as mulheres, 25. O texto acaba com a modalidade por tempo de contribuição e estabelece a idade mínima de 60 anos para se aposentar, com pelo menos 25 anos de contribuição, para ambos os sexos. Essa regra vale tanto para os professores do setor público como para os do setor privado.
Servidores estaduais e municipais serão afetados depois
 As regras do texto da reforma da Previdência não afetarão imediatamente os servidores estaduais e os servidores municipais filiados a regimes públicos de aposentadoria, o que compreende cerca de 5 milhões de pessoas. Em algumas cidades, os servidores são vinculados ao INSS — são cerca de 1,5 milhão nesse regime. A proposta em discussão na Câmara estabelece que os Estados e municípios terão seis meses, após o início da vigência da emenda constitucional — se aprovada —, para reformar seus respectivos regimes de Previdência. Os Estados e municípios que não reformarem seus sistemas públicos de Previdência no prazo de seis meses serão automaticamente submetidos às regras do texto aprovado pelo Congresso.
Militares não entraram na reforma
 A Previdência dos militares das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) faz parte do regime próprio dos servidores da União, mas tem outras regras. Diferentemente dos trabalhadores vinculados ao INSS e dos servidores públicos civis, os militares não têm parte do seu salário recolhido para o sistema de Previdência. A União paga integralmente a aposentadoria de quem trabalhou no Exército, na Marinha e na Aeronáutica, como se fosse uma despesa de pessoal. Eles contribuem somente para garantir parte do pagamento de pensões a que seus familiares têm direito. Os militares começam a receber aposentadoria quando entram para a reserva, após 30 anos de contribuição. Não há idade mínima. Inicialmente, o governo cogitou incluir os militares na reforma, mas recuou após pressão das Forças Armadas e do ministro da Defesa, Raul Jungmann. Agora, a promessa do Palácio do Planalto é enviar uma proposta com novas regras para as aposentadorias dos militares após a aprovação da reforma da Previdência.
Mais equilíbrio, com alguns privilégios mantidos
 O economista Pedro Nery, consultor legislativo do Senado e especialista em Previdência, afirmou ao Nexo que o texto da reforma da Previdência tem alguns pontos que trazem maior equilíbrio entre o sistema de aposentadoria dos servidores e o do INSS. Um deles é o aumento da idade mínima exigida para servidores se aposentarem, equiparando-a com a do regime geral. “Hoje vivemos uma situação paradoxal em que uma servidora pode se aposentar bem antes que sua empregada”, diz. Ele elogia a iniciativa do relator da reforma da Previdência de exigir que os servidores que ingressaram no poder público até 2003 tenham que se aposentar pela idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres caso queiram manter o direito ao benefício integral e à paridade. Contudo, Nery afirma que a reforma erra ao não atingir os servidores que já se aposentaram com o que ele chama de “privilégios” e ganham, hoje, benefícios incompatíveis com o valor que contribuíram para o sistema.
“Permanece um pensamento conservador em relação a quem ‘já chegou a outra margem do rio’: o aumento da contribuição dos inativos e o fim da paridade não estão no radar, e afetariam um grupo que foi pesadamente subsidiado pelo contribuinte, além de ajudarem na crise dos Estados” Pedro Nery Economista e consultor legislativo do Senado.
Desigualdade entre os regimes 
Diversos indicadores apontam assimetrias entre os sistemas de aposentadoria dos servidores públicos e o do INSS. Os pesquisadores Marcelo Medeiros e Pedro Ferreira de Souza, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado ao governo federal , realizaram um estudo sobre a concentração de renda nos regimes de aposentadoria, com dados de 2008 e 2009, para elaborar um índice de Gini — que mede a desigualdade de renda — em cada um deles. Esse índice vai de 0 a 1 — quando mais próximo de 1, mais desigual. Na época, o índice de Gini geral da renda do trabalho do país era de 0,563. Segundo cálculo dos pesquisadores, reportado pelo jornal “Valor”, o índice de Gini no sistema do INSS era de 0,474 — ou seja, menos desigual que o índice geral do país, atuando como redutor da concentração de renda.
Já o índice do sistema de previdência dos servidores da União era de 0,822 — reforçava, e muito, a desigualdade do país ao dar aposentadorias de valor muito alto para alguns e benefícios reduzidos para muitos outros. O valor do déficit por benefício — na prática, quanto a União tem de “pagar” para cobrir o rombo — também varia muito entre os sistemas. Em 2015, o regime geral, do INSS, registrou déficit de R$ 85,8 bilhões, para 28,3 milhões de benefícios (aposentadorias e pensões).
Para cada benefício, a União teve que adicionar R$ 3 mil no ano para fechar a conta. No sistema dos servidores públicos da União, o déficit no mesmo ano foi de R$ 35,5 bilhões, para 683 mil benefícios. Ou seja, a União pagou R$ 52 mil extras para cada benefício no ano, com o objetivo de fechar a conta do sistema. A situação é pior no regime dos militares. O buraco foi de R$ 88 mil por benefício em 2015 — resultado do déficit de R$ 32,5 bilhões no ano para 370 mil aposentadorias e pensões.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

O SAL NO RIO GRANDE DO NORTE

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Fonte http://naesquinadobrasil.blogspot.com.br/
Fonte http://naesquinadobrasil.blogspot.com.br/
O sal foi um dos primeiros produtos a ser explorado comercialmente no Rio Grande do Norte. A exploração normal e extensiva das salinas de Mossoró, litoral de Areia Branca, Açu e Macau data de 1802. Mas o conhecimento de jazidas espontâneas na região já era conhecida desde o início da colonização.
A primeira referência que se tem sobre sal no Rio Grande do Norte, encontra-se registrado no documento que Jerônimo d’Albuquerque escreveu a seus filhos Antônio e Matias em 20 de agosto de 1605, onde fala de salinas formadas espontaneamente a aproximadamente 40 léguas ao norte, o que corresponde hoje as salinas de Macau. Desse fato, voltamos a ter notícias quando consultamos o “Alto de repartição das terras” feito em Natal em fevereiro de 1614, onde está escrito que Jerônimo de Albuquerque dera aos filhos Antônio e Matias, em 20 de agosto de 1605, umas salinas que estariam a quarenta léguas para o norte (aproximadamente 240 km), mas que nunca foram cultivadas nem feitas benfeitorias.
Salinas na década de 1920
Salinas na década de 1920
Em 1627, frei Vicente do Salvador registrou a colonização Norte-rio-grandense. Notou que “as salinas onde naturalmente se coalha o sal em tanta quantidade que se podem carregar grandes embarcações”.
Outro registro que encontramos nos velhos livros de história fala que em janeiro de 1644, alguns Tapuias, de volta do Outeiro da Cruz (Maranhão), onde tinham estado em combate, entraram nas salinas de Mossoró e degolaram alguns trabalhadores que ali se encontravam.
Em 1808 os salineiros da região foram beneficiados, quando o rei de Portugal, D. João VI, impossibilitado de receber carregamentos de sal de Portugal, assinou a carta régia que liberava de quaisquer imposições a extração do sal favorecendo, sobremaneira, o comércio interno.
Tradicional catavento para extração de sal na década de 1920
Tradicional catavento para extração de sal na década de 1920
Em 1844/45, setenta e oito barcos carregaram em Macau 59.895 alqueires de sal. No entanto, embora o sal extraído no Rio Grande do Norte fosse superior pela sua qualidade intrínseca, perdia essa qualidade pela rudeza como era produzido, de modo que nos anos seguintes perdia mercado para o sal europeu que era mais barato e melhor preparado. Um dos fatores que onerava o preço do sal produzido no Rio Grande do Norte era a dificuldade no transporte por causa do assoreamento das barras dos rios Mossoró e Açu.
Em 1886 é criado um imposto protecionista para tributar o sal estrangeiro. Dessa forma, o sal produzido no Rio Grande do Norte passa a ser competitivo, e isso impulsiona decisivamente o desenvolvimento da nossa indústria salineira.
No período de 1941/45, houve uma retração na extração do sal, motivada pela diminuição da navegação de cabotagem durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar disso, o sal continuou sendo o principal produto comercializado por Mossoró e região, sofrendo oscilações que não comprometeram o mercado de forma mais acentuada.
Os municípios do Rio Grande do Norte produtores de sal são os seguintes: Galinhos, Guamaré, Macau, Areia Branca, Grossos e Mossoró.
Barco tradicional utilizado no transporte de sal
Barco tradicional utilizado no transporte de sal
Depois de toda essa explicação, o leitor poderia perguntar: como Mossoró está entre os municípios produtores de sal se não fica no litoral? Para responder a essa pergunta, temos que dá outras explicações: o clima predominante em Mossoró é semiárido quente, com temperatura oscilando entre 24o e 35o centígrados, temperatura essa que dura a maior parte do ano. O ar apresenta baixo teor de umidade, elevada evaporação, apresentando uma média de 2.850mm. As precipitações ocorrem ao redor de 450 mm anuais e a evaporação líquida é de 2.400, sendo que a intensidade de irradiação solar varia entre 120 e 320 horas/mês, com ventos que apresentam velocidade média entre 3,8 e 4,4 m/s. Junto a isso temos ainda um solo impermeável, o que assegura condições ideais para a cristalização e colheita do sal, com um grau de pureza que atin ge até 98 Baumé (Graus de Baumé é uma escala hidrométrica criada pelo farmacêutico francês Antoine Baumé em 1768 para medição de densidade de líquidos.).
Local de extração de sal
Local de extração de sal
E onde estão localizadas as salinas? Poderia perguntar ainda o atencioso leitor. As salinas de Mossoró estão localizadas na várzea estuarina dos rios Mossoró e do Carmo. Essa várzea é inundada, ora pelas águas do mar, ora pelas águas das enchentes dos rios, que quando cessam as chuvas formam salinas naturais, onde o relevo é plano e baixo, estreitando-se para o litoral, onde a água do mar chega a alcançar até 35 Km do litoral. Essa série de fenômenos naturais é que faz com que Mossoró possa figurar entre os municípios produtores de sal do Rio Grande do Norte.
Fonte do texto – http://salnautico.com.br/historia.php
Fotos – Coleção do proprietário do Blog Tok de História

MORREU PIMENTEL – UMA RESERVA MORAL DO ASSU

Faleceu no domingo, dia 30 de abril de 2017, em Natal, Francisco Pimentel Filho – uma das reservas morais do Assu. Foi um cidadão que, por décadas, se entregou de corpo e alma para que a atividade do extrativismo da cera de carnaúba pudesse ser a principal economia da região. 

Seu Pimentel, como era conhecido, foi um homem de vivência regulada e comum. Na sua simplicidade, coberto pelo manto da honestidade sempre apoiado pela saudosa esposa Dona Eunice Fonseca Pimentel, conseguiu formar seus 11 filhos. Um vencedor! 

Nasceu em Assu, na comunidade de Lagoa das Bestas (atualmente comunidade de Bela Vista – Carnaubais), no dia 12 de fevereiro de 1921. 

Adorava ler. Dominava com facilidade a língua portuguesa, geografia e matemática.

Sua vida era sinônimo de trabalho. Ao completar a maioridade prestou serviço militar no II Batalhão de Carros de Combate – BCC, em Natal, em plena segunda guerra mundial. 

Retornando ao Assu trabalhou na empresa de Minervino Wanderley. Após o falecimento do patrão (Minervino), em 1950, pela sua dedicação e caráter exemplar foi convidado para ser sócio da empresa Carvalho & Cia

Enquanto isso cursou contabilidade no Colégio Nossa Senhora das Vitórias, tendo em 1956 recebido o diploma de contador. 

Durante décadas, a empresa Carvalho & Cia atuou como financiadora de pequenos agricultores para o corte do carnaubal, comprando as produções e transformando-as em “cera gorda” para depois exportá-las para a América do Norte.

Após o falecimento de Dona Eunice, os filhos conseguiram convencê-lo a morar em Natal... não foi fácil deixar a Terra dos Carnaubais – berço de toda sua prole. 

Pimentel pela naturalidade com que se empenhou em prol do desenvolvimento econômico da região do Assu, pela sua inteligência, caráter ilibado, exemplo de dignidade e respeito, enquanto esposo, pai, amigo e, acima de tudo, modelo de cidadão, era uma das reservas morais do Assu. 

O sepultamento se dará às 16 horas desta segunda-feira, 01 de maio – dia do trabalhador, no cemitério público Vicente de Paula - Novo Horizonte - Assu.

PASTORIL

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Pastoril de Dona Joaquina , de São Gonçalo do Amarante, Rio Grande do Norte - Foto de Isaias Carlos
Pastoril de Dona Joaquina , de São Gonçalo do Amarante, Rio Grande do Norte – Foto de Isaias Carlos – CLIQUE NA FOTO PARA AMPLIAR

Texto – Valdemar Valente
 
O Pastoril integra o ciclo das festas natalinas do Nordeste, particularmente, em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas. É um dos quatro principais espetáculos populares nordestinos, sendo os outros o Bumba-meu-boi, Mamulengo e Fandango.

De tais espetáculos, participa o povo ativamente, com suas estimulantes interferências não se comportando apenas como passivo espectador, a exemplo do que acontece com os espetáculos eruditos. Muitas destas interferências, servindo de deixa para inteligentes e engraçadas improvisações, imprimindo ao espetáculo formas diferentes e inesperadas de movimento e animação.

A comunicação entre palco – geralmente um coreto – e platéia – esta, quase sempre ocupando grandes espaços abertos – entre personagens e espectadores, não se faz somente sob influência que a peça, por seu enredo e por sua interpretação, possa exercer sobre a assistência. Nem simplesmente – aqui admitindo teatro erudito bem educado – através dos aplausos convencionais, quase sempre sob forma de palmas. Palmas que às vezes revelam apenas educação ou incentivo.

No Pastoril, os espectadores, representados pelo povo, a comunicação com os personagens faz-se franca e informalmente, não só com palmas, mas com vaias e assobios, com dedos rasgando as bocas, piadas e ditos, apelidos e descomposturas.

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Fonte – http://www.folcloreolimpia.com.br
Tudo isto enriquece o espetáculo de novos elementos de atração, dando-lhes nova motivação, reativando-o, recriando-o pela substituição de elementos socialmente menos válidos, por outros mais atuantes e mais condizentes com o gosto e os interesses momentâneos da comunidade para a qual ele exibe. Deste modo, revitaliza-se o espetáculo, permanecendo sempre dinâmico e atualizado, alimentando no espírito do povo e no dos próprios personagens um conteúdo emocional que tem no imprevisto e no suspense sua principal tônica.


Nos começos, o auto natalino, que deve ter surgido na terceira década do século XIII, em Grecio, sua primeira apresentação teatral não passava do drama hierático do nascimento de Jesus, com bailados e cantos especiais, evocando a cena da Natividade.
 
Com o correr do tempo, os autos baseados na temática natalina se separam em duas direções: uns, seguindo a linha hierática, receberam o nome de Presépios ou Lapinha, outros, de Pastoris.

Em Pernambuco, o primeiro Presépio surgiu nos fins do século XVI, em cerimônia realizada, no Convento de São Francisco, em Olinda.Com as pastorinhas cantando loas, tomou o Presépio não só forma animada, mas dramática, ao lado da pura representação estática de gente e de bichos.

A dramatização do tema, agindo em função didática, permitiu fácil compreensão do episódio na Natividade. A cena para da, evocativa do nascimento de Jesus, movimenta-se, ganha vida, sai do seu mutismo, com a incorporação de recursos, não apenas visuais, também sonoros.

Pastoril Dona Joaquina - Foto de Isaias Carlos
Pastoril Dona Joaquina – Foto de Isaias Carlos
O Presépio, representado em conventos, igrejas ou casas de família, reunia mocinhas e meninas, cantando canções que lembram o nascimento de Cristo. As canções, obedecendo a uma seqüência de atos que se chamam jornadas, são entoadas com o maior respeito e ar piedoso pelas meninas e jovens de pastorinhas.

O Pastoril, embora não deixasse de evocar a Natividade, caracteriza-se pelo ar profano. Por certa licenciosidade e até pelo exagero pornográfico, como aconteceu nos Pastoris antigos do Recife.

As pastoras, na forma profana do auto natalino, eram geralmente mulheres de reputação duvidosa, sendo mesmo conhecidas prostitutas, usando roupas escandalosas para a época, caracterizadas pelos decotes arrojados, pondo à mostra os seios, e os vestidos curtíssimos, muito acima dos joelhos.

Do Pastoril faz parte uma figura curiosa: O Velho. Cabia ao Velho, com suas largas calças, seus paletós alambasados, seus folgadíssimos colarinhos, seus ditos, suas piadas, suas anedotas, suas canções obsenas, animar o espetáculo, mexendo com as pastoras, que formavam dois grupos, chamados de cordões: o cordão encarnado e o cordão azul. Também tirava o Velho pilhérias com os espectadores, inclusive, recebendo dinheiro para dar os famosos “bailes”, – descomposturas – em pessoas indicadas como alvo. “Bailes”, que, muitas vezes, terminavam, terminavam, nos pastoris antigos dos arrabaldes do Recife, em charivari, ao qual não faltava a presença de punhais e pistolas.


O Velho também se encarregava de comandar os “leilões”, ofertando rosas e cravos, que recebiam lances cada vez maiores, em benefícios das pastoras, que tinham seus afeiçoados e torcedores. Nos Presépios atuais, como nos Pastoris, encontram-se ainda os dois cordões. O Encarnado, no qual figuram a Mestra, a 1ª do Encarnado e a 2ª do Encarnado, e o Azul, com a Contra-Mestra, a 1ª do Azul e a 2ª do Azul.

Entre os dois cordões, como elemento neutro, moderando a exaltação dos torcedores e simpatizantes, baila a Diana, com seu vestido metade encarnado, metade azul.

Foram famosos no Recife, até começos da década de 30, os pastoris do Velho Bahu, que funcionava aos sábados, ora na Torre, ora na ilha do Leite, também, os dos velhos Catotas, Canela-de-Aço e Herotides.
Hoje, os pastoris desapareceram do Recife. Só nos arrabaldes mais distantes ou em algumas cidades do interior, eles são vistos. Mesmo assim, sem as características que marcavam os velhos pastoris do Recife, não deixando, no entanto, de cantar as jornadas do começo e do fim: a do Boa Noite e da despedida. O que vemos hoje são presépios ou lapinhas.

Presépio tradicional do Recife, exibindo-se em grande sítio do Zumbi, era dos irmãos Valença, infelizmente há vários anos sem funcionar.

sábado, 29 de abril de 2017

RELÍQUIA - SEGUNDA EDIÇÃO DE FULÔ DO MATO

Dê um clique na imagem.

Página 20 (amarelada pelo tempo) do livro intitulado "Fulô do Mato", segunda edição, de Renato Caldas, considerado um dos maiores poetas matutos que o Brasil já teve. Renato, se compara ao poeta maranhense Catulo da Paixão Cearense. Foi ele, Renato Caldas, "que deu nome ao Rio Grande do Norte nas letras nacionais", publicando o livro já citado acima.

A segunda edição de Fulô do Mato, Renato publicou (publicação independente, ainda tipográfica) com a ajuda do deputado Aluízio Alves, Carlos Lacerda (que foi governador da Guanabara, atual cidade do Rio de Janeiro), industrial e agropecuarista potiguar Aristófanes Fernandes, Dinarte Mariz (que foi governandor do Rio Grande do Norte e senador da república) e Sérvulo Pereira. Aquela edição o bardo assuense dedica aos seus amigos Manoel Soares Filho (seu cunhado, assuense (que foi superintendente da Caixa Econômica Federal, em Natal, no tempo em que Café Filho governava o Brasil), Carlos Homem de Siqueira, Júlio Alves de Araújo, Joaquim Ramalho Filho, Cláudio Rômulo de Siqueira. Sem esquecer a inteligência dos seus amigos, o poeta ainda dedica aquela edição ao Gal. Everardo de Barros Vasconcelos, além de Jaime dos G. Wanderley, Otoniel Meneses (considerado o príncipe dos poetas natalenses, autor da famosa canção conhecida popularmente como "Praieira dos Meus Amores"), Josué Tabira da Silva, Caio Cid, Sílvio de Souza, Jorge Fernandes, João Soares Filho, Luiz Tavares, José Vilar Lemos, Paulo Teixeira, Assis Gois, Hélio Oliveira, Francisco Joaquim sobrinho, João Cirineu de Vasconcelos, Carmelo Pignataro, Walter Leitão, Bartolomeu Fagundes, Francisco Ximenes, Mário Gurgel, Veríssimo de Melo, Waldemar Almeida, Celso Silveira, Lauro Leite e Cel. Abel Veríssimo de Azambuja. Aquele bardo popular  naquela edição lembra a memória dos seus amigos Deolindo Lima, Macrino Medeiros (seu companheiro inseparável nas suas andanças, de farras intermináveis pelo interior do nordeste), Germano Sena, Aurélio Flávio, João Celso Filho, Milton Fagundes, Mário Amorim, Damasceno Bezerra, Catulo Cearense, Silvino Lopes e Benilde Dantas.

Aquele livro tem palavras de Câmara Cascudo, Catulo Cearense, Sílvio de Sousa, Ruy Duarte, Josué Silva, Damasceno Bezerra e Morse Lyra, todos contemporâneos do poeta assuense que elevou o nome da sua terra natal, além fronteiras, bem como conseguiu a consagração nacionalmente.

Fernando Caldas

BAR DE XIMENES

O Bar Ximenes era instalado entre a praça Pedro Velho e do Rosário, na cidade de Assu, esquina com a prefeitura, antiga Cadeia Pública, onde funcionou durante décadas, a Farmácia São Pedro. Era um recinto aristocrático e popular. Oferecia jogo de bilhar e cartas (baralho). Lá se reuniam figuras da terra assuense, para tomar "umas e outras" e uma boa prosa. Era seus frequentadores assíduos Walter Leitão, Major Montenegro, Nelson e Edgard Montenegro, Fernando Tavares (Vem-Vem), Francisco Amorim, Solon Wanderley, Zequinha Pinheiro, Tio Alfredo (que está nesta fotografia), além de Ricardo Albano, Lauro Leite, Epifânio Barbosa, Expedito Silveira, Edmilson e Luizinho Caldas, Renato Caldas, Zé Ramalho, dentre outros. O popular "Bonzinho" Marreiro (doente mental) também frequentava aquele ambiente, para fazer mandados. Certa vez, Bonzinho fora solicitado por Walter Leitão para que ele, Bonzinho, fosse até a praça Getúlio Vargas, para ver se ele, Walter, se encontrava por lá. Bonzinho de repente soltou essa: "Seu Walter. Me dê o cabresto porque se o senhor estiver por lá, eu trago!" - Para risos dos circunstantes. 
Outra estória que aconteceu naquele bar, se deu com Lauro Leite que ao ouvir alguém dizer "Deus é muito bom". E Lauro saiu-se com essa se auto diagnosticando: "Deus é bom nada meu amigo! Tira a tesão da gente, mas não tira a lembrança!"
Em tempo: Lauro Leite era mossoroense, trabalhava em Assu com o abastardo comerciante e proprietário rural Zequinha Pinheiro e, quando jovem ajudou a combater o bando de Lampião no ataque a Mossoró.

Fernando Caldas

terça-feira, 25 de abril de 2017

Augusto Frederico Schmidt
 O Grande Momento
 
A varanda era batida pelos ventos do mar 
As árvores tinham flores que desciam para a  morte, com a lentidão das lágrimas. 
Veleiros seguiam para crepúsculos com as  asas cansadas e brancas se despedindo, 
O tempo fugia com uma doçura jamais de  novo experimentada 
Mas o grande momento era quando os meus olhos conseguiam entrar pela noite fresca dos seus olhos... 

Era uma vez em Assu

(Washington Araújo)

Havia um céu que nos protegia. Havia uma louca da cidade que longe de nos causar medo, todas as pessoas a adoravam e se chamava Doninha. Havia festas todas as semanas no clube Municipal e se chamavam tertúlias. Tinha em Zé do Bar os melhores cachorros quentes da cidade. E tinha o Bar Boleta e o Bach Chopin. Tinha gente nas calçadas e nem eram necessárias câmaras de vigilância. Todos fins de tarde dava gosto ver o casal Gena e Nelson Montenegro caminhando até nossa casa, trinta ou cinquenta metros apenas, ele assoviando alguma valsa como 'Branca' ou 'Lábios que beijei' e ela conversando com seu cãozinho de nome Dayán porque tinha um sinal negro em um olho e lhe lembrava o general israelense Moshe Dayán que usava uma venda no olho direito. Tinha alfinins em junho. A tevê era novidade e quando saía só som sem imagem era para Edzés que a cidade inteira acorria. Tinha os famosos táxis da cidade, o mais tradicional era o de Arnaud Abreu, pessoa boníssima e muito querida por todos e tinha os táxis que faziam a linha diária Assu/Natal/Assu - os de François e de Camburão. Tinha festa de debutantes e churrascos fartos para quem passava no vestibular em Natal. Tinha Zelinha Tavares puxando as mais belas cirandas que um humano poderia apreciar naqueles tempos. Tinha os grudes, raivas e suspiros quentinhos vendidos durante a tarde por dona Martinha. Tinha Chisquito com seu paletó de linho branco que até o século passado lá no campo 'inda era flor. Tinha Barão esporeando seu cavalo. Tinha os animados banhos nos tanques do Baldum e no pequeno açude da fazenda Novo Mundo. Tinha reuniões do Lions Clube e da Maçonaria. Tinha em junho o jornalzinho de fofocas - 'A Mutuca' circulando. Tinha Solonzinho vendendo suas Flor-do-Vale ainda quentinhas é muito disputadas. As brigas de marido e mulher corriam a cidade inteira. Uma destas dava conta de um jovem casal em que a mulher por não achar lugar melhor para esconder o revolver do marido colocou-o na geladeira, no congelador, entre caçambas de gelo. E lá ficou duas semanas! Outra de mulher que foi 'pastorar' o marido entrar no motel com a amante. Tinha recepção festiva no CNSV para Gena Montenegro quando, em 1972, foi eleita para a Academia de Letras do RN. Tinha visita de Frei Damião na cidade e a cidade vivia suas romarias de fiéis. Tinha uma chuvinha qualquer e já se dizia que era inverno na cidade. E dos bons. Tinha a Adega do seu Lacerda com aqueles inesquecíveis banhos embaixo dos imensos pilares da ponte. Tinha o 'Majó' Montenegro, imperador absoluto do Reino da Picada. Tinha famosos banhos de tanque no Farol. Tinha boias feitas de câmeras de pneus de caminhão com gente em cima se divertindo nas geladas águas do açude do Memdubim. Tinha um belo casal de namorados: Zezinho Abreu e Aninha de Dr. Nelson Inácio dos Santos. Tinha a voz acolhedora e tão afinada de Laura Alves. Tinha gente que por ostentar ter dinheiro era logo chamado doutor. Tinha o humor sagaz, permanente, inteligente e oportuno do grande prefeito Golinha. Tinha professores excelentes como dona Auri, Lurdinha de Mané Calixto, Josélia, Rubian, Deú e Nanã Pimentel, doutor Noé, Severino Bôinho, Baco, dona Helena Antonow Centeno - gaúcha e também a mais linda professora que um dia pôs os pés na calorenta mas hospitaleira cidade. Tinha concurso para se escolher a mais bela voz do Vale no Instituto Padre Ibiapina. Tinha o Colégio Estadual e o Ginásio Pedro Amorim. Tinha vaquejada e suculentas comidas de milho verde nas barraquinhas. Passava 'Eu transo, Ela transa' com Sandra Brea no Cine Theatro Pedro Amorim. Tinha nos velhos recreios do CNSV os Novos Baianos cantando 'Preta, pretinha'. Tinha passeatas dos verdes bacuraus e dos vermelhos fechadores, com Olavo e Edgard Montenegro disputando décadas a fio e benquerença do povo de Assu. Tinha as moças que fugiam de casa, sinal que os pais não aprovavam seu namoro, passavam a noite fora com o namorado, e geralmente se dizia que se mandavam pras bandas do rio Assu e fato é que, no dia seguinte, logo corria a notícia, sempre com as tintas de escândalo, dando conta 'que a fugitiva iria se casar de imediato'. Tinha Padre Canindé, possesso, vociferando sermões com promessas do fogo do inferno pra toda gente mais chegada a uma fofoca, ou a unas cem mil maledicências. Tinha Cecéu Amorim fazendo quase tudo com um braço só que mais parecia que tinha era uns quatro braços, tipo aquelas divindades hindus que vim a conhecer em Nova Delhi, na Índia, muitos anos depois. Tinha jogo de voleibol no CNSV nas velhas tardes de sábado e domingo de uma cidade em que a juventude nada tinha pra fazer à tarde. Tinha a rádio de Cabassis (Herval Tavares) que possuía apenas um alto falante estridente operado pelo 'mago véio' Hermes e que quebrava o belo silêncio da velha cidade e azucrinava a conversa de todo mundo. Tinha as velhas famílias que quando morria o pai ou a mãe vestiam-se preto em luto fechado por todo um ano mesmo naquele clima infernal. Tinha um rábula chamado Lou que se fosse francês seria chamado filósofo e se vivesse no século XIX seria amigo de Nietzsche. Tinha enterros dramáticos como o de Baco com a cidade aturdida cantando 'A Viagem', cumprindo assim um dos últimos pedidos do jovem que atentou contra a própria vida e que era querido por todos. Tinha um grupo de escoteiros comandado por Padre Canindé e por Bibito. Tinha quatro farmácias principais na cidade - a de Horacinho Cunha, a de João Branco, a de Pedro e a Continental, de Zé Diógenes. Tinha o posto de gasolina de um velhinho magricela chamado Ricarte Legítimo. Tinha um cantor de vozeirão que nada sabia de inglês, mas só gostava mesmo era de cantar em inglês - "Baby desce daí se não tu morre". Seu nome? Mané Raposa. Tinha o Café Semar vendido ali na avenida João Pessoa. Tinha blocos de carnaval levados a sério: Selenistas, Foliões, Futuristas, Abutres, Ki-chêcho. Tinha o lendário Chico Branco (mas qual cidade não tinha o seu Chico Branco?). Tinha desfiles de 7 de setembro muito concorridos com cada colégio e escola rivalizando na qualidade do uniforme, no ritmo da marcha, na música executada pela banda. Tinha as lojas Varieté, Pérola, Corália calçados, Betty's boutique, Loja de Oscarzinho. Tinha um colégio que formava todas as novas gerações de assuenses afluentes: o sempre bom CNSV, a quem devo tudo o que aprendi na vida. Tinha o afetado e ótimo fotógrafo Teté, espécie de Denner Pamplona, divertido jurado do Programa Flavio Cavalcanti com o seu "é um luxo!". Tinha venda de senhas para bailes com Alerta 5, depois Sui Generis, Impacto 6, Os Vips. Tinha a cidade toda fissurada nas gravações do filme 'Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico', dirigido pelo assuense William Cowbett, filme onde Solonzinho era juíz, Pedro Cícero de Oliveira, dono de mercearia e os casal principal era os famosos Vanja Orico e Leonardo Villar, além de Rodolfo Arena, de 'O Ébrio'. Tinha Joricene da Receita, Adonias da Coletoria, Edmilson da Cooperativa, Geraldo Dantas do BB, Amarílio do INSS. Tinha os mistos que faziam a linha Assu/Carnaubais/ Assu de Zé de Anna e do Zezinho do Misto. Tinha a matriarca que determinava quem fazia parte da sociedade assuense e quem não. Tinha a miss mais bonita do nordeste brasileiro: Zuíla Ramalho. Tinha os médicos da cidade: Fernando Rosendo, Nelson Inácio dos Santos, Benvenuto Gonçalves, Noé Rogério da Costa, Gileno Cachina Bezerra, Roberto Rufino de Magalhães, Alexis Pessoa, Doutor Sales, Pedro Dantas. Tinha milhões de lacerdinhas entrando nos olhos de todo mundo que passeava na praça Getúlio Vargas. Tinha o salão de beleza de Lilita e Verinha. Tinha em cada casa mais remediada um tapete de couro de vaca estendido no chão da sala de visita. Tinha o homem mais rico da cidade, o boa pinta e eterno solteirão Tião Diógenes. Tinha Purueca pedindo a bênção a dona Gena Montenegro e ela respondendo toda feliz "Deus te abençoe meu lindo!". Tinha a velha tipografia de Cabralzinho. Tinha a praça da Carnaubinha. Tinha o riso farto e camarada do bom Zézinho André. Tinha o americano bonachão David Knoll incendiado pela ideia de produzir frutas para exportação em todo o vale do Assu. Tinha Roque perambulando pela cidade e com dus bolsas de palha, uma para receber donativos e outra, furada para colocar os 'perdoe" que recebia. Tinha a fábrica de mármores da Simwal. Tinha o cartório de Agenor. Tinha quadra de futebol de salão defronte à matriz de São João Batista antes que o prefeito construísse ali o tal famoso 'buraco do Prefeito'. Tinha grandes canecas de chope de bailes do Lions Clube em cima da geladeira. Tinha gente engraçada como Papachina. Tinha a Leão dos Tecidos de Neide Almeida. Tinha as beatas e carolas dona Ofélia e Donatila para defender a cidade inteira dos pecados de todos os tipos. Tinha Renato Caldas inspirando a juventude em sua boêmia madrugada afora. Tinha Xanduzinho todo paramentado de bispo em sua mini-catedral toda estilosa encravada ali no início da rua Manoel Montenegro. Tinha carnavais inesquecíveis com lança-perfumes, rainhas do carnaval e Edmilson como eterno rei Momo. Tinha toda a comoção de uma cidade em prantos, inconsolada, com a partida precoce do muito benquisto Oswaldinho Amorim, o pioneiro e grande pensador do potencial agrícola do Vale do Assu. Mas o melhor de tudo era que todos os que amávamos estavam ainda vivos, muito vivos. Eles já se pareciam eternos porque pressentiam que eram, na verdade, simplesmente eternos, sabiam que o tempo passaria por eles sem lhes diminuir o brilho e beleza de suas vidas. Sou de minha infância como se é de uma cidade. E nessa cidade-infância quando se saía desta vida se entrava no tempo que não tinha início nem fim - no vasto tempo do encantamento.
Sim, era uma vez em Assu.

domingo, 23 de abril de 2017

O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes.

Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também.

Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.

Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão.

Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, internet, e-mail, Whatsapp ... Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!... Ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos do leite...

Que saudade do compadre e da comadre!...

(José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei).

O LIVRO DE "PERPÉTUA" - MARIA DO PERPETUO SOCORRO WANDERLEY DE CASTRO



II - BREVIDADE

Jorge Fernandes fixou - No meu tempo, a luz elétrica vinha com a lua. O verso combina com tantas cidades do interior do Brasil e do Rio Grande do Norte. Posso, portanto, dizê-lo ao falar do Assu.

Nasci em Assu, uma das mais antigas cidades do Estado, orgulhoso de um passado tradicional, marcado por ter tido jornal semanal em 1867, por ter sido a segunda Comarca criada pela Lei Provincial n. 13, de 11 de março de 1835 tendo como primeiro juiz Basílio Quaresma Torreão Júnior, a freguesia de São João Batista da Ribeira do Assu em 1726, a segunda cidade a libertar os escravos, em 24 de junho de 1885. Criei-me ouvindo estórias de trancoso, ainda do tempo em que se falava da moura torta e da pobre menina enterrada pela madrasta malvada e ouvindo estórias dos fatos da cidade, como a angústia do grande incêndio ocorrido em 1951 de que resultou a destruição de casa integrante do conjunto arquitetônico da velha rua Casa Grande, a estupefação co a chegada do primeiro carro, um Ford que causou assombro, assim como tempos depois o avião causara medo. Vivi o cotidiano da cidade do interior, com as crenças e temores dos mais velhos, falando ainda sobre botijas, sobre becos mal-assombrados, sobre aparições e fantasmas.

Naquele tempo, a luz elétrica chegava com o por do sol, quando o velho moto era ligado e, ordinariamente, desligado ao meio da noite, após os três sinais que anunciavam verdadeiro toque de recolher, pois a cidade se recolhia à escuridão. E as noites eram, ainda, adoçadas por sons de violões e serenatas, frequentemente permeadas pela declamação de versos e pela acolhida hospitaleira dos donos das casas escolhidas, que serviam bebidas e petiscos aos seresteiros. A cidade desfrutava de luz elétrica desde 1927 o que permitia as sessões de cinema, festas em clubes e pequenas festas em locais como a Casa da Juventude, cuja lembrança se enche do som redondo da bola de ping-pong, nas mesas ali instaladas.

Vivi o início da adolescência andando em suas ruas ainda não calçadas, no caminho diário para as aulas no Colégio Nossa Senhora das Vitórias, na diversão domingueira dos banhos de rio. Era uma vida calma, então igual à de cinquenta anos atrás, nas mesmas ruas, nos mesmos costumes, marcantemente rígidos e tradicionais. Em 1966, ouvia-se, e mal, através do rádio, as transmissões dos jogos no México,. Nesse intervalo de quatro anos, a cidade mudara profundamente, mais do que levara a se modificar durante décadas, em que o tempo passara quase imperceptivelmente. Com a televisão, o espaço e a distância diminuíram.

A geração que assistia a esta mudança passou a viver em conformidade com ela e com as possibilidade e oportunidades que gerou. Mas os dias idos, dias de infância e adolescência ficaram acumulados pela vida afora, como pequeno tesouro de bem querença.

Este é, contudo um registro incompleto. Faltam pessoas, faltam lugares, que estão entro das lembranças e são importantes na vida e na paisagem sentimental da cidade. Mais alguns dias, ou anos que são apenas somas de dias, e poderei acrescentar o que falta agora, mas, sempre, será inconclusa a obra.

Este é, contudo um registro incompleto. Faltam pessoas, faltam lugares, que estão entro das lembranças e são importantes na vida e na paisagem sentimental da cidade. Mais alguns dias, ou anos que são apenas somas de dias, e poderei acrescentar o que falta agora, mas, sempre, será inconclusa a obra.

sexta-feira, 21 de abril de 2017





João Lins Caldas era um poeta Norte-rio-grandense de extrema sensibilidade e criatividade. Desde moço teve uma vida solitária. Os seus escritos retrata a dor, a melancolia, o amor não correspondido. É de sua autoria, o soneto que transcrevo adiante, produzido no Rio de Janeiro em 2 de janeiro de 1913, publicado na importante revista carioca intitulada Fon-Fon,  numa das edições daquele periódico (1924), que diz assim:

Minha’alma anda a chorar... Anda-me ao peito
Uma agonia louca, uma tortura...
Venho da terra do feral despeito...

Mudado sobre mim o teu conceito
Acenadora, pérfida ventura,
A noite vejo, poderosa, escura,
Do meu sonho de amor, sonho desfeito...

Deixa que eu vá... e tu, que és minha vida,
Não te magoes com a dor ferida,
- Mulher, mulher – amor, sonho – de calma...

Eu sou teu sonho e teu sonhar sonhando...
Não me queiras seguir... comigo andando
Há de chegar a noite da tu’alma...



PELO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA Se Guilherme de Almeida escreveu 'Raça', em 1925, uma obra literária “que tem como tema a gênese da na...