Quem nunca usou um ditado popular brasileiro, tentou explicá-lo mas não conseguiu?
Os ditados populares são uma parte importante do linguajar de uma
cultura, e descobrir a origem destas expressões nunca foi tarefa fácil
para os estudiosos.
Muitas vezes ocorrem expressões estranhas sem sentido, mas que são muito importantes para a longevidade da cultura popular.
O escritor potiguar
Luís da Câmara Cascudo, maior folclorista brasileiro da história,
estudou a origem de vários ditos populares, e aqui está o que ele encontrou:
Maria vai com as outras
(alguém que não tem opinião própria e se deixa convencer com facilidade por outras)
Dona Maria I, mãe de D. João VI (avó de D. Pedro I e bisavó de D.
Pedro II), enlouqueceu de um dia para o outro. Declarada incapaz de
governar, foi afastada do trono. Passou a viver recolhida e só era vista
quando saía para caminhar a pé, escoltada por numerosas damas de
companhia. Quando o povo via a rainha levada pelas damas nesse cortejo,
costumava comentar: “Lá vai D. Maria com as outras”.
Afogar o ganso
(ato sexual masculino)
No passado, os chineses costumavam satisfazer as suas necessidades
sexuais com gansos. Pouco antes de ejacularem, os homens afundavam a
cabeça da ave na água, para poderem sentir os espasmos anais da vítima.
Amigo da onça
(amigo falso)
Este termo surgiu quando um caçador mentiroso, ao ser surpreendido
sem armas por uma onça, deu um grito tão forte que o animal fugiu. Como
quem o ouvia não acreditou, dizendo que, se assim fosse, ele teria sido
devorado, o caçador, indignado, perguntou se, afinal, o seu ouvinte era
seu amigo ou amigo da onça.
Onde judas perdeu as botas
(lugar bem distante)
Conta a Bíblia católica que, depois de trair Jesus por “30
dinheiros”, Judas caiu em depressão e com a culpa veio a se suicidar
enforcando-se numa árvore.
Acontece que ele se matou sem as botas, e os dinheiros não foram
encontrados com ele. Logo os soldados partiram em busca as botas de
Judas, onde, provavelmente, estaria o dinheiro.
A história é omissa daí pra frente. Nunca saberemos se acharam ou não
as botas e o dinheiro. Mas a expressão atravessou mais de vinte
séculos.
Bicho-de-sete-cabeças
(um problema aparentemente complicado de resolver)
Tem origem na mitologia grega, mais precisamente na lenda da “Hidra
de Lerna”, um monstro de 7 cabeças que, ao serem cortadas, renasciam.
Matar este animal foi uma das doze proezas realizadas por Hércules, o
maior de todos os heróis gregos. A expressão ficou popularmente
conhecida, no entanto, por representar a atitude de alguém em colocar
uma dificuldade exagerada na resolução de um problema qualquer.
Comer com os olhos
(desejo extremo de comer algo e não ter oportunidade)
Segundo Câmara Cascudo, soberanos da África Ocidental não consentiam
testemunhas às suas refeições, comiam sozinhos. Na Roma Antiga, uma
cerimônia religiosa fúnebre consistia num banquete oferecido aos deuses
no qual ninguém tocava na comida. Apenas olhavam, “comendo com os
olhos”. Aliás, Cascudo dizia que certos olhares absorvem a substância
vital dos alimentos.
Com a corda toda
(alguém bastante inquieto ou agitado)
Antigamente os brinquedos que possuíam movimento eram acionados
torcendo um mecanismo em forma de mola ou um elástico, que ao ser
distendido, fazia o brinquedo se mexer. Ambos os mecanismos eram
chamados de “corda”. Logo, quando se dava a “corda” totalmente num
brinquedo, ele movia-se de forma mais agitada e frenética. Daí a origem
da expressão.
Fazer ouvidos de mercador
(alguém não se importar com quem o chama)
O escritor diz que a palavra mercador é uma corruptela de “marcador”,
nome que se dava ao carrasco que marcava os ladrões com ferro em brasa
indiferente aos seus gritos de dor. No caso, fazer ouvidos de mercador é
uma alusão a atitude desse algoz, sempre surdo às súplicas de suas
vítimas.
Mais vale um pássaro na mão que dois voando
(melhor ter pouco que ambicionar muito e perder tudo)
É tradição de antigos caçadores. Eles achavam melhor apanhar logo a
ave que tinham atingido de raspão, antes que ela fugisse, do que tentar
atirar nas que estavam voando e errar o alvo.
“Cor” de burro quando foge
(alguém muito amedrontado)
Esta expressão mudou seu sentido nos dias atuais. A frase original
era “corra do burro quando ele foge”. Isto porque o burro enraivecido é
muito perigoso. A tradição oral foi modificando a frase e “corra” acabou
virando “cor”.
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Pagar o pato
(paga por algo sem ter qualquer benefício em troca)
A expressão deriva de um antigo jogo praticado em Portugal.
Amarrava-se um pato a um poste e o jogador (em um cavalo) deveria passar
rapidamente e arrancá-lo de uma só vez do poste. Quem perdia era que
pagava pelo animal sacrificado. Sendo assim, passou-se a empregar a
expressão para representar situações onde se .
Salvo pelo gongo
(escapar de se meter numa encrenca por uma fração de segundos)
O ditado tem origem na na Inglaterra. Lá, antigamente, não havia
espaço para enterrar todos os mortos. Então, os caixões eram abertos, os
ossos tirados e encaminhados para o ossário e o túmulo era utilizado
para outro morto. Só que, às vezes, ao abrir os caixões,os coveiros
percebiam que havia arranhões nas tampas, do lado de dentro, o que
indicava que aquele morto, na verdade, tinha sido enterrado vivo
(catalepsia – muito comum na época).
Assim, surgiu a ideia de, ao fechar os caixões, amarrar uma tira no
pulso do defunto, tira essa que passava por um buraco no caixão e ficava
amarrada num sino. Após o enterro, alguém ficava de plantão ao lado do
túmulo durante uns dias. Se o indivíduo acordasse, o movimento do braço
faria o sino tocar. Desse modo, ele seria salvo pelo gongo.
Estar com a corda no pescoço
(estar ameaçado, sob pressão ou com problemas financeiros)
O enforcamento foi, e ainda é em alguns países, um meio de aplicação
da pena de morte. A metáfora nasceu de anistias ou comutações de pena
chegadas à última hora, quando o condenado já estava prestes a ser
executado e o carrasco já lhe tinha posto a corda no pescoço, situação
que, de fato, é um sufoco.
O pior cego é o que não quer ver
(alguém que se nega a admitir um fato verdadeiro)
Em 1647, em Nimes, na França, na universidade local, o doutor Vicent
de Paul D’Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de
nome Angel.
Foi um sucesso da medicina da época, menos para Angel, que assim que
passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via. Disse que o
mundo que ele imagina era muito melhor. Pediu ao cirurgião que
arrancasse seus olhos.
O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel ganhou a
causa e entrou para a história como o cego que não quis ver.
Casa de mãe Joana
(um lugar onde todo mundo pode entrar e frequentar sem restrições)
Este dito popular tem origem na Itália. Joana, rainha de Nápoles e
condessa de Provença (1326-1382), liberou os bordéis em Avignon, onde
estava refugiada, e mandou escrever nos estatutos: “Que tenha uma porta
por onde todos entrarão”.
O lugar ficou conhecido como Paço de Mãe Joana, em Portugal. Ao vir
para o Brasil a expressão virou “Casa da Mãe Joana”. A outra expressão
pejorativa envolvendo Mãe Joana, tem a mesma origem.
Deixar de Nhenhenhém
(largar uma conversa irritante ou cheia de lamúrias)
Nheë, em tupi, quer dizer falar. Quando os portugueses chegaram ao
Brasil não entendiam muito bem o que se dizia por aqui, então os índios
diziam que os portugueses ficavam de “nhen-nhen-nhen”.
Pensando na morte da bezerra
(estar distante, pensativo, alheio a tudo)
Esta é mais uma bíblica. O bezerro era adorado pelos hebreus e
sacrificados para Deus num altar. Quando Absalão, por não ter mais
bezerros, resolveu sacrificar uma bezerra, seu filho menor, que tinha
grande carinho pelo animal, se opôs. Em vão. A bezerra foi oferecida aos
céus e o garoto passou o resto da vida sentado do lado do altar
“pensando na morte da bezerra”. Consta que meses depois veio a falecer.
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Jurar de pés junto
(jurar em exagero)
A expressão surgiu das torturas executadas pela Santa Inquisição, nas
quais o acusado de heresias tinha as mãos e os pés amarrados (juntos) e
era torturado para confessar seus crimes.
Testa de ferro
(alguém com poder aparente)
O Duque Emanuele Filiberto di Savoia, conhecido como Testa di Ferro,
foi rei de Chipre e Jerusalém. Mas tinha somente o título e nenhum poder
verdadeiro. Daí a expressão ser atribuída a alguém que aparece como
responsável por um negócio ou empresa sem que o seja efetivamente.
Gatos pingados
(número extremamente reduzido de pessoas em um evento)
Esta expressão remonta a uma tortura procedente do Japão que
consistia em pingar óleo fervente em cima de pessoas ou animais,
especialmente gatos.
Existem várias narrativas ambientais na Ásia que mostram pessoas com
os pés mergulhados num caldeirão de óleo quente. Como o suplício tinha
uma assistência reduzida, tal era a crueldade, a expressão “gatos
pingados” passou a significar pequena assistência sem entusiasmo ou
curiosidade para qualquer evento.
Queimar as pestanas
(estudar muito)
Antes do aparecimento da eletricidade, recorria-se a uma lamparina ou
uma vela para iluminação. A luz era fraca e, por isso, era necessário
colocá-las muito perto do texto quando se pretendia ler o que podia dar
num momento de descuido queimar o rosto, os olhos, ou as pestanas. Por
essa razão, aplica-se àqueles que estudam muito.
Sem papas na língua
(ser franco, dizer o que sabe, sem rodeios)
A expressão vem da frase castelhana “no tener pepitas em la lengua”.
Pepitas, diminutivo de papas, são partículas que surgem na língua de
algumas galinhas, é uma espécie de tumor que lhes obstrui o cacarejo.
Quando não há pepitas (papas), a língua fica livre.
Fonte: CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções Tradicionais no Brasil. São Paulo, Editora Global/2008.
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