Morreu ontem, às 20h40 no Hospital da Unimed, em Natal, o radialista Ademir Ribeiro.
Radialista que marcou época, nos tempos áureos da rádio AM, nas rádios Poti e Cabugi.
O corpo de Ademir está sendo velado numa capela do Morada da Paz da
rua São José, em Lagoa Seca, e será sepultado às 16 horas, no cemitério
de Emaús.
*
Em julho do ano passado, quando Ademir Ribeiro já estava internado, o Blog reproduziu uma entrevista feita pelo jornal Zona Sul.
Entrevista que republico abaixo:
Conhecido como “a voz de ouro do rádio”, o radialista Ademir Ribeiro,
que marcou época nas rádios Poti e Cabugi com o programa “Show da
Manhã”, está internado há um mês no Hospital da Unimed, em Natal.
O estado é grave e ele já se submeteu, inclusive, a uma traqueostomia.
E o Blog reproduz entrevista concedida por Ademir em 2004, ao jornalista
Roberto Homem de Siqueira e seu pai,
Nelson Siqueira, e publicada no
http://zonasulnatal.blogspot.com
Entrevista, segundo o entrevistador, feita no Bar do
Lourival, na avenida Deodoro, e”regada a cachaça, whisky, cerveja e
queijo de coalho, servidos por Nicodemos, o secretário Nicó”.
Eis a entrevista:
ZONA SUL – Como começou sua carreira no rádio? Você teve outras profissões ou experiências antes?
ADEMIR – Eu participei de um teste para locução, no começo dos
anos 60, na Rádio Poti, disputando com outros 20 candidatos. Alguns
deles até já atuavam em outras emissoras. Tinha gente da Rádio Rural e
também da Cabugi. Ao final das provas, só passou um. Quem? Ademir
Ribeiro! Eu nunca tinha visto um microfone à minha frente, antes daquele
dia. Eu tremia, o papel tremia nas minhas mãos, mas a voz manteve-se
sempre segura, sempre firme. Dei um show. O teste era diferente dos de
hoje. Interpretamos crônica, nota de falecimento, lemos nomes de
autoridades estrangeiras… Aprovado, queriam que eu fizesse rádio-teatro.
Eu disse que não, que gostaria de ser locutor. Este foi meu primeiro
emprego. Papai segurou minha barra até os 20 anos, sem que eu precisasse
trabalhar pra ninguém. Nunca fui outra coisa na vida a não ser
profissional do rádio. Trabalhei até 1988 no mesmo prefixo, na mesma
emissora, a Rádio Poti.
ZONA SUL – E depois da Rádio Poti?
ADEMIR – Fui para a Rádio Cabugi. José Wilde (hoje chefe de
gabinete do senador Garibaldi Alves Filho, em Brasília) era o diretor
artístico da emissora. Sabendo que eu tinha saído da Poti, ele telefonou
dizendo que me queria na Cabugi. Pedi 30 dias para pensar, alegando que
não seria fácil, para mim, trabalhar em uma rádio de políticos. No 29º
dia, meus irmãos me pressionaram: “Ademir, você só quer viver bebendo,
não quer trabalhar…”. Eu disse que não queria mesmo não. Mas eles
insistiram e acabei concordando. Liguei para Zé Wilde, para dar minha
resposta. Ele falou que já estava quase mantendo contato com Milton
Duarte, para ocupar a vaga. Fui. Ricardo Alves, filho de José Gobat,
acertou um negócio comigo. “Vou lhe pagar 12 horas-extras sem você
cumpri-las, apenas para complementar o seu salário”. Mas aí veio o Plano
Collor e Ricardo, alegando que a rádio estava em uma situação difícil,
cortou minhas horas-extras.
ZONA SUL – No início da carreira você se impôs um desafio:
vencer na vida atuando apenas como radialista, já que essa atividade era
considerada mais hobby do que profissão. Você acha que conseguiu?
ADEMIR – O desafio foi lançado por um diretor da Rádio Poti
chamado Rui Ricardo. Ele disse: “Ademir isso aqui jamais será uma
profissão, não passará de um bico”. Ele me aconselhou a terminar os
estudos. Eu já tinha terminado o científico, mas não quis fazer
faculdade. Respondi que provaria que aquele emprego como locutor não
seria para mim apenas um bico, mas uma profissão. Disse também que tudo o
que eu conquistasse seria a partir da minha voz. Provei que não era um
hobby, mas uma profissão. Acho que, à época, fui o maior salário do
Norte-Nordeste do Brasil. Estou falando em salário como locutor, dentro
do estúdio, entre quatro paredes, sem fazer política, sem fazer
gravações fora, sem nada.
ZONA SUL – Por que você não costumava aceitar que sua voz fosse usada também em campanhas políticas?
ADEMIR – Eu sempre detestei política. Mas, recentemente recebi
uma oferta razoável, em termos financeiros, para trabalhar uma vez por
semana, durante dois meses, nessa campanha política. O candidato, que é
do interior, me pediu para não dizer o seu nome, e não direi. Vou lá só
gravar textos já escritos pela equipe dele. Virá me buscar e me deixar
aqui no meu escritório, o Bar de Lourival. Vou só usar a minha voz, a
maior ferramenta que Deus me deu. Já fiz trabalhos para Iberê Ferreira
de Sousa, para Garibaldi Alves Filho, mas só a voz dentro do estúdio,
gravada. Jamais aceitei subir em palanque. Nunca trabalhei ligado a um
político para ganhar dinheiro. Hoje a maioria ganha dinheiro de
político. Eu nunca trabalhei.
ZONA SUL – O programa Show da Manhã foi sua marca registrada. Fale sobre ele. Quanto tempo durou? Como surgiu?
ADEMIR – Surgiu de uma idéia que César Rizzo, então diretor da
Rádio Poti, trouxe do Rio de Janeiro. César era narrador de futebol, mas
Luís Maria Alves, então diretor dos Diários Associados em Natal, mandou
chamá-lo para o cargo. Eu topei apresentar o programa, mas disse que
não faria igual ao modelo do Rio. Propus, e aceitaram, um quadro para eu
ler poemas meus e de outros autores. Também abri espaço para uma
crônica chamada
O nome do dia e sugeri ainda tocar músicas do passado. Assim eu fiz. Foi um sucesso absoluto em Natal. Fiz outros programas, entre eles o
Peça Bis pelo Telefone e
Geléia Geral. Mas o
Show da Manhã foi o que marcou minha vida.
ZONA SUL – Além de programas de entretenimento, você
apresentou jornais na Rádio Poti e atuou em rádio-novela. Como foram
essas experiências?
ADEMIR – Um dos noticiários que apresentei foi
O Galo Informa,
com notícias do Brasil e do mundo, fornecidas pela United Press
Internacional (UPI) e pela Agência Meridional. Naquela época, Genar
Wanderley era doido para que eu fizesse rádio-teatro. E eu queria ser
somente locutor. Um dia, quando estava no ar a novela
Amargo Silêncio,
de Janete Clair, o galã, que era Nilson Freire, adoeceu e Genar pediu
para eu substituí-lo. A princípio eu recusei, mas terminei aceitando e
dei um verdadeiro show. Depois da exibição daquele capítulo, o telefone
não parou de tocar. Dezenas de pessoas queriam saber quem era o novo
galã da novela Amargo Silêncio. Fui endeusado pelo povo. Depois dessa
experiência, passei a atuar em novela, além de continuar como locutor e
redator. Também trabalhei na Televisão Universitária, a TVU, quando ela
estava engatinhando. Eu e Liênio Trigueiro apresentávamos um noticiário.
Ele ia de bermudas porque a câmera só filmava do peito pra cima. Nem
sei se a TVU ainda tem em arquivo alguns destes programas.
ZONA SUL – Com esse vozeirão todo você também canta?
ADEMIR – Vou contar uma história bem interessante. Nélson
Gonçalves chegou na Rádio Poti para ser entrevistado no meu programa.
Depois de alguns instantes conversando, ele comentou: “Ademir, nunca
ouvi um grave tão parecido com o meu como esse que você tem… Cante aí um
pouquinho”. Aí eu cantei: “Boemia, aqui me tens de regresso…”.
Imediatamente, com aquele jeito dele, gaguejando, ele interrompeu:
“Ca-cale a boca, Ademir, não can-cante mais não. Você nasceu só pra
falar. Nã-não serve pra cantar nada, é desentoado e desafinado”. Eu ri
imediatamente, do jeito que estou rindo aqui, agora.
ZONA SUL – Durante a carreira você tomou algum cuidado com a
voz? Você mesmo assume que costumava tomar suas cervejas durante as
apresentações dos seus programas…
ADEMIR – Meu cuidado com a voz sempre foi cerveja, rum, whisky e
cigarro. Comecei a fumar com 11 anos de idade, nunca tomei cuidado com a
voz. Quando eu vejo Carlos Nascimento, Cid Moreira e William Bonner
dizendo “eu não bebo, eu não fumo, faço gargarejo todos os dias…”, eu os
considero uns imbecis. Todo dia, embaixo lá do meu birôzinho, eu botava
as cervejas que tinha comprado no bar de seu João Furtado, próximo à
rádio. Era bebendo e trabalhando. Depois dos 15 anos, nunca parei de
beber. Estou com 65, já faz 50 que bebo. Tomei cerveja durante 30 anos,
vivia doente, tomei dois anos de whisky, vivia doente também. Um dia
cismei e pedi para o garçom me mostrar uma cachaça. Cheirei a Pitu e não
gostei. Pensei logo: “essa aqui dá cirrose”. Pedi uma dose de
Caranguejo. Passei a beber essa marca. Dois anos depois voltei à médica
que me acompanha. Contei pra ela que fazia algum tempo que tinha passado
a tomar aguardente. Ela ficou preocupada, achou que eu estivesse com
cirrose. Passou uma série de exames. Todos deram resultado normal.
Mandou fazer uma ultra-sonografia. A responsável pelo exame comentou
comigo, após ver o resultado: “Seu Ademir, o senhor nunca bebeu, não
é?”. Eu confessei a quantidade de anos que eu já bebia. Ela disse que
não acreditava. Repetiu a ultra-sonografia. O resultado foi igual ao de
uma pessoa que nunca bebeu.
ZONA SUL – Você ainda mantém a religiosidade e a paixão pelo América – duas das características que tinha naquele tempo?
ADEMIR – Sim. Religiosamente, todas as manhãs, faço cinco
orações. Principalmente aquela que eu digo, logo que vou para o
sanitário: “obrigado, Senhor, por mais um dia. Que esse dia de hoje seja
bem melhor que o de ontem, em todos os sentidos, sob todos os aspectos e
em qualquer circunstância”. Essa é a abertura que faço matinalmente.
Ainda continuo crendo muito. Tenho aqui a medalha de Nossa Senhora de
Fátima, minha Protetora, e a Cruz de Cristo Jesus, meu Pai Celestial.
Mas se me perguntar se vou à Missa, responderei que ia quando era
menino. Hoje assisto à Santa Missa pela televisão, todos os domingos.
Mas não vou à Igreja. A paixão pelo América também é do mesmo jeito.
Lembro uma ocasião, o América tinha vencido o ABC, eu fui para a rádio
fantasiado como jogador do América: bermuda branca, camisa vermelha,
número 9 às costas, que era o usado por Pancinha, o meu ídolo à época.
Aí César Rizzo disse: “chefe, vá para casa descansar três dias…”. Eu
perguntei se ele estava me suspendendo ou dando uma licença. Ele
respondeu que era suspensão. Eu disse: “César, você, por favor vá a
***”. Ele emendou: “você está demitido”. “Me dê essa porcaria para eu
assinar”, pedi. Assinei. Na chefia de pessoal, Luis Sena perguntou o que
tinha acontecido. Eu expliquei que estava assinando a minha demissão.
César Rizzo foi falar com Luís Maria Alves. Chegou lá e contou que
estava com uma demissão para seu Luís assinar. Luís Maria Alves
perguntou de quem era a demissão. Quando César disse que era a minha,
imediatamente ouviu de Luís Maria Alves: “Ademir Ribeiro? Você é quem
está demitido. Peça suas contas, vá embora e volte para o Rio de
Janeiro!”.
ZONA SUL – Como está a vida de aposentado? Sente saudades dos tempos da ativa?
ADEMIR – A vida de aposentado está ótima. Tomo minha Caranguejo
todos os dias, fumo minhas quatro carteiras de cigarro… Apesar disso,
tenho a voz ainda do mesmo jeito, com 65 anos de idade. Acho a coisa
mais maravilhosa do mundo. Hoje vez por outra sou chamado para alguma
coisa. Mas como aposentado, acho que se eu voltar a trabalhar estarei
tomando o lugar de alguém que precisa mais do que eu. Por isso só aceito
uma ou outra oferta. Já tenho o meu. É pouco, mas o suficiente para
viver. Fui a maior indenização do Rio Grande do Norte, quando saí da
Rádio Poti. Recebi 1,260 bilhão de cruzeiros. Eu compraria o edifício
Wimbledon todinho se quisesse, na rua Seridó. Mas botei o dinheiro na
poupança. Com os sucessivos planos econômicos, caiu um zero aqui, outro
acolá e o montante ficou bem pequenininho. Não sinto saudades do tempo
em que trabalhava. Na hora em que deixo um emprego, não chego mais nem
perto.
ZONA SUL – Como está seu coração? Está amando?
ADEMIR – Não amo mais ninguém. Amei quatro mulheres. Uma,
inclusive, casada. Passou 12 anos comigo, sem o marido saber. Mas quando
minha mulher, Teresa, morreu, descobri que foi a única a quem realmente
amei. Me arrepio todo. Numa sexta-feira, em março, no Carnaval do ano
2000, fui em sua casa. Ela vivia dizendo que estava com medo que eu
morresse sozinho na minha casa do Cidade Satélite. Propôs que eu fosse
morar com ela e nosso filho, Maxwell, o mais velho. Eles estavam
preocupados. Eu respondi que não dava certo, já tinha me acostumado a
morar sozinho. Então Teresa pediu que eu levasse um lençol velho, para a
sua cachorrinha dormir. Prometi ir domingo, ou segunda-feira. Fui na
segunda. Bati na porta, nada. Fui embora. Voltei para o bar, continuei
bebendo. Depois fui para minha casa, no Satélite. Peguei uma garrafa,
continuei bebendo. Tive um estalo. Meu filho Maxwell tinha ido para a
Paraíba com a mulher dele. Minha filha, Irina, para Barra de Cunhaú, com
o marido. Iriana, a outra filha, estava em Natal. Liguei para ela e
perguntei se Teresa tinha viajado. Ela respondeu que não. Mandei ela ir
até a casa da mãe, com seu marido, que é advogado. “Pegue seu marido e
vá lá, que sua mãe está morta”. Ela pediu que eu não repetisse aquilo.
Fiquei em casa aguardando. Ela morreu sozinha, do jeito que não queria
que eu morresse. Fico todo arrepiado… Morreu com o nebulizador ao lado.
Ela sofria falta de ar. A partir daí, descobri que Teresa foi a mulher a
quem realmente amei, apesar de estarmos separados há tantos anos,
quando ela morreu.
ZONA SUL – Qual o segundo melhor locutor que trabalhou em
Natal? E o terceiro? Sei que você vai dizer que foi o melhor. E eu não
vou discordar… E no Brasil?
ADEMIR – O segundo foi Liênio Trigueiro e o terceiro, Nilson
Freire, apesar de Nilson ser mais antigo do que eu e Liênio. Os dois
tinham muito a ver com a minha voz. O primeiro sempre foi Ademir Ribeiro
e não tem para onde correr. E eu não sou modesto não, porque quem é
modesto é covarde. Eu não gostava de Cid Moreira, mas gosto de William
Bonner, muito bom locutor e apresentador. Cid, que todo mundo endeusa
demais, deixou de existir a partir do momento em que passou a ganhar
dinheiro vendendo a imagem de Cristo, a Bíblia. Devia dar de graça. E
não ganhar dinheiro às custas de Jesus Cristo.
ZONA SUL – Você nunca pensou em prosseguir sua carreira em outro estado?
ADEMIR – Fui convidado pela Rádio Globo, do Rio de Janeiro,
pela Rádio O Povo, do Ceará. O diretor da O Povo veio aqui e me
convidou, não para ser locutor, mas para dirigir a rádio. Eu respondi
que amo a minha cidade e que não sairia de jeito nenhum. E também que
amava o prefixo onde estava trabalhando, a Rádio Poti, que era a dona do
mundo naquela época, em termos de rádio.
ZONA SUL – Como você gostaria de ser lembrado?
ADEMIR – Eu? Nem sei… Podia ser Ademir Ribeiro, a voz de ouro
do rádio. Porque esta voz eu não ganhei de graça. Foi Deus quem me deu.
Pode botar lá no meu túmulo. “Ademir Ribeiro – A voz de ouro do rádio”.
Só isso.
Fonte: Blog Thaisa Galvão
Nota do blog: Conheci Ademir Ribeiro, no ínicío da década de setenta. Ouvi muitas vezes, através da rádio Poti de Natal, as belas crônicas de sua autoria e de outros autores que ele interpretava com aquele seu vozeirão. Salvo engano, Ademiu era natural de Ipanguaçu (conhecida família Ribeiro daquela terra ipanguaçuense). RN.
Fernando Caldas