Rostand Medeiros, escritor, pesquisador e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Primeiros Casos Relatados no Mundo
11 de março de 1918 – Um soldado do
exército dos Estados Unidos, se reportou ao hospital de Fort Riley,
Kansas, com estranhos sintomas envolvendo uma gripe muito forte. Logo,
mais de 100 outros soldados relataram sintomas semelhantes, marcando o
que se acredita serem os primeiros casos da pandemia histórica de
influenza de 1918, mais tarde conhecida como gripe espanhola. Apesar do
nome e do que aconteceu no Kansas, dados históricos e
epidemiológicos não conseguem identificar a origem geográfica desta
pandemia. Depois de observada no interior dos Estados Unidos, a doença
avança pela Europa e em partes da Ásia, antes de se espalhar rapidamente
pelo mundo.
Espanhola?
Acredita-se
que a origem do nome “gripe espanhola” deriva da propagação da pandemia
da Espanha para a França em novembro de 1918. Nessa época a Espanha
permaneceu neutra durante a Primeira Guerra Mundial e não impôs nenhuma
censura em seus jornais sobre o avanço dessa doença naquele país, como
ocorria em outras nações. Logo as histórias amplamente divulgadas,
mostrando a Espanha especialmente atingida criou uma falsa impressão em
outras partes do mundo que tudo teve origem nesse país.
Avanço da doença no Mundo
A pandemia de gripe espanhola de 1918, a
mais mortal da história, infectou cerca de 500 milhões de pessoas em
todo o mundo – um terço da população do planeta – e matou em torno de 20
a 50 milhões de vítimas. Alguns acreditam que chegou a 100 milhões. Na
época não existiam terapias antivirais específicas.
Hoje em dia, as coisas não mudaram muito, e a maioria dos tratamentos para a enfermidade se dirige a aliviar os sintomas, em vez de curar a doença.
Hoje em dia, as coisas não mudaram muito, e a maioria dos tratamentos para a enfermidade se dirige a aliviar os sintomas, em vez de curar a doença.
Os cidadãos de alguns países em 1918
receberam ordens para usar máscaras. Dependendo da região do mundo
escolas, teatros e empresas foram fechados e corpos empilhados em
necrotérios improvisados antes que o vírus encerrasse sua mortal
marcha global. No Brasil, tal como agora, foram as cidades e os governos
estaduais que decidiram suas ações, mediante o avanço da doença. Nem
sequer existia Ministério da Saúde.
Ele só foi criado doze anos depois do surto de gripe espanhola no Brasil, mas vinculado com a pasta da educação. De forma autônoma e independente o Ministério da Saúde só foi criado em 25 de julho de 1953.
Ele só foi criado doze anos depois do surto de gripe espanhola no Brasil, mas vinculado com a pasta da educação. De forma autônoma e independente o Ministério da Saúde só foi criado em 25 de julho de 1953.
Em
todas as partes no ano de 1918 a pandemia de gripe fez muitos temerem o
fim da humanidade, além de alimentar por muito tempo a ideia de que se
tratava de uma cepa viral particularmente letal. Entretanto, estudos
mais recentes indicam que o vírus, embora mais mortífero que outras
cepas, não era diferente dos vírus que causaram as epidemias de outros
anos. Na Europa conflagrada a taxa de mortalidade pode ser atribuída em
grande medida as aglomerações nos acampamentos militares e nos ambientes
urbanos. Bem como à má qualidade da alimentação e às condições
sanitárias precárias. Atualmente, acredita-se que muitas mortes de 1918
decorreram do desenvolvimento de pneumonias.
Mundialmente a onda inicial de mortes pela
gripe, na primeira metade de 1918, foi relativamente pequena. Foi na
segunda onda, de outubro a dezembro do mesmo ano, que se registrou a
maior taxa de mortalidade. A terceira fase, no primeiro semestre de
1919, foi mais letal que a primeira, porém menos que a segunda.
Em todo o mundo os funcionários dos
serviços públicos de saúde, a polícia e os políticos tinham motivos para
minimizar a gravidade da gripe de 1918, o que fez com que ela atraísse
menos à atenção da imprensa.
Para quem participava da Guerra havia o temor de que divulgá-la abertamente encorajasse os inimigos em época de guerra, e além disso existia o interesse em preservar a ordem pública e evitar o pânico. Entretanto, as autoridades reagiram. No auge da pandemia, foram estabelecidas quarentenas em muitas cidades. Algumas foram obrigadas a restringir os serviços básicos, incluindo os da polícia e dos bombeiros.
Para quem participava da Guerra havia o temor de que divulgá-la abertamente encorajasse os inimigos em época de guerra, e além disso existia o interesse em preservar a ordem pública e evitar o pânico. Entretanto, as autoridades reagiram. No auge da pandemia, foram estabelecidas quarentenas em muitas cidades. Algumas foram obrigadas a restringir os serviços básicos, incluindo os da polícia e dos bombeiros.
Primeiras Notícias no Brasil – Primeira quinzena de julho de 1918
Utilizando modernas ferramentas de
visualização digital de jornais antigos e lendo as
páginas que
fotografei do jornal natalense A República, pude perceber que
nesse período surgem as primeiras notícias nos jornais brasileiros sobre
casos a “Influenza Hespanhola” na Bélgica, Alemanha e Inglaterra. Mas
não são notícias destacadas.
A Imprensa Brasileira Entre julho e setembro de 1918
Devido ao afundamento de navios
brasileiros por submarinos alemães, o nosso país declarou guerra à
Alemanha em 16 de novembro de 1917. Em janeiro de 1918 o governo
brasileiro cria a Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), uma
esquadra da Marinha com oito navios, destinada ao patrulhamento contra a
ação de submarinos alemães no Oceano Atlântico. Partiu do Rio em 14 de
maio e, depois de passar por Salvador e Recife, chegaram a Natal no
final de julho. A capital potiguar na época tinha cerca de 29.000
habitantes (equivalente hoje a população de Extremoz).
Nesse período os jornais não comentaram
nada sobre prevenção e nem sobre algum tipo de preparação contra o vírus
no Brasil. Acredito que as notícias da participação da DNOG na Primeira
Guerra serviu como uma espécie de “cortina de fumaça”, que evitou uma
informação mais intensa sobre a ação da gripe espanhola em outros
países. Acredito que em 2020 o nosso carnaval, ocorrido no final de
fevereiro, foi essa nova “cortina de fumaça”.
Primeiros Mortos Brasileiros – 23 de setembro de 1918
Nos dias atuais o COVID-19 só foi notícia
mais ativa após o primeiro caso conhecido no país e após a primeira
morte de um brasileiro em 27 de março de 2020. Já os jornais de 1918 só
passaram a dar uma atenção maior ao tema depois que estourou a notícia
que na Divisão Naval, que se encontrava ancorada na cidade de Dacar, na
África Ocidental havia 55 mortos de gripe espanhola.
A Gripe Espanhola Chega ao Brasil – 24 de setembro de 1918
Acredita-se que essa seria a data mais
correta para a chegada da gripe espanhola em nosso país, pois nesse dia
atracou no porto de Santos, São Paulo, o vapor inglês Demerara,
utilizado para o transporte de passageiros e cargas. Tal como agora,
quando foi dito que no início do mês de março de 2020 não houve em
aeroportos brasileiros nenhum tipo de inspeção dos passageiros que
desembarcavam principalmente da Itália, em 1918 houve uma séria acusação
aos funcionários da então chamada Polícia Sanitária daquele porto. Eles
teriam sido negligentes por não realizarem a necessária inspeção de
saúde dos passageiros daquele navio. Uma passageira da 2ª classe
denunciou que o Demerara trazia mais de 40 enfermos e que em um único
dia foram lançados ao mar (ou sepultados) cinco corpos de falecidos pela
gripe espanhola.
Tanto
em 1918 e 2020 a gripe chegou ao Brasil vindo da Europa, trazida pelo
principal meio de transporte que liga nosso país ao Velho Mundo em cada
época. Hoje em aviões de carreira, em 1918 nos navios de passageiros e
cargas. Mas vale ressaltar que no passado esses navios possuíam 1ª, 2ª e
3ª classes de passageiros e cada viagem, dependendo do tamanho do
navio, trazia de 300 a 1.000 pessoas.
Naquele tempo como agora, o parlamento brasileiro criou novas leis após a eclosão da pandemia em território nacional.
Em 1918 os parlamentares apresentaram uma
série de projetos de lei com o objetivo de, em diferentes frentes,
combater a doença e amenizar seus efeitos. Uma das propostas determinou a
aprovação automática de todos os estudantes brasileiros, sem a
necessidade dos exames finais. Outro projeto de lei ampliou em 15 dias o
prazo para o pagamento das dívidas que tinham o seu prazo final em
plena epidemia.
A Gripe Espanhola Chega a Recife – 28 de setembro de 1918
Segundo o Jornal do Recife, nessa
data duas pessoas a bordo do navio de passageiros brasileiro Tabatinga
apresentaram o que parecia ser os mesmos sintomas de gripe espanhola.
Não existiam exames específicos para diagnóstico dessa doença. Talvez
por essa razão a “Inspectoria de Higyene” de Recife não achou que os
dois enfermos pudessem ter contraído essa gripe. O que gerou uma forte
querela entre os funcionários dessa repartição e os jornalistas, devido
ao estado de saúde dos enfermos do Tabatinga.
Na
verdade esse é um aspecto de uma situação comum a essa pandemia no
Brasil: a negação e até mesmo ocultação de dados por parte das
autoridade em 1918, fato que se repete em alguns países em 2020.
A Gripe Espanhola Chega a Natal – 3 de outubro de 1918
Essa questão de negação e até mesmo
ocultação de dados sobre a gripe espanhola também ocorreu em Natal. Mas
através de jornais de outros estados, principalmente os de Recife, que
mantinha correspondentes em Natal, é possível ter uma ideia do que
aconteceu na capital potiguar.
O Diário de Pernambuco, de 4 de outubro de 1918 informou através de um telegrama emitido pela Great Western, que o navio de passageiros brasileiro Itassucê aportou em Natal no dia anterior com seis enfermos de gripe espanhola.
A Primeira Vítima em Natal – 15 de outubro de 1918
Aparentemente, a primeira morte em
decorrência da gripe espanhola ocorrida em Natal foi a do comerciante
cearense Mozart Barroso, a bordo do navio Pará, que estava ancorado no
porto da cidade.
Em A República, na edição de 15 de outubro, informou que o falecimento ocorreu devido a uma “moléstia” contraída em Recife, vindo o comerciante a falecer em decorrência da viagem. Já o Diário de Pernambuco afirma que nesse mesmo navio vários outros passageiros e tripulantes, entre estes o médico de bordo, estavam com a gripe espanhola. O navio Pará ficou interditado em nosso porto por vários dias.
Em A República, na edição de 15 de outubro, informou que o falecimento ocorreu devido a uma “moléstia” contraída em Recife, vindo o comerciante a falecer em decorrência da viagem. Já o Diário de Pernambuco afirma que nesse mesmo navio vários outros passageiros e tripulantes, entre estes o médico de bordo, estavam com a gripe espanhola. O navio Pará ficou interditado em nosso porto por vários dias.
Mesmo sem A República
esclarecer se Mozart Barroso morreu, ou não, de gripe espanhola, chama
atenção que quatro dias depois da divulgação dessa notícia o respeitado
médico Januário Cicco escreveu nesse mesmo jornal uma coluna visando
“auxiliar na defesa da saúde pública contra a epidemia de influenza
espanhola, que celeremente se disseminou por toda parte”. O Dr. Januário
recomendava então o uso da “quinina”, muito utilizado contra a malária,
informando ter distribuído pelas farmácias da cidade comprimidos deste
produto. Este médico solicitava que “os poderes competentes”, ordenassem
aos funcionários da Inspetoria de Higiene que fossem visitar as
“choupanas dos mais pobres, distribuindo quinino, aconselhando a
melhorar os aspectos de higiene, escolher uma alimentação sadia, beber
água de procedência e evitar aglomerações”. Nada diferente de hoje.
Um fato especialmente destacável foi a
predileção da doença por tirar a vida de jovens adultos saudáveis, e não
de crianças e idosos. Algo bem diferente do COVID-19.
Gripe Espanhola no Interior do RN – 15 de outubro de 1918
As Informações dão conta que o interior não se mostrava imune aos efeitos da pandemia.
De
Areia Branca o Coronel Francisco Fausto, Presidente da Intendência
(cargo que atualmente equivale ao de prefeito), informava que a gripe
havia atacado a cidade, mas sem fornecer detalhes. Jornais de Recife
informaram que em Macau haviam pessoas atingidas pela gripe espanhola.
Já Jerônimo Rosado, intendente de Mossoró, informava que 38 pessoas
haviam ali falecido. Fora do litoral veio a notícia que em Nova Cruz,
cidade servida por um ramal ferroviário inaugurado em 1883, o Sr. Mario
Manso, seu intendente, se recuperava da gripe.
Fica evidente pelos noticiários que essa
gripe de 1918 atacou primeiramente as cidades do Rio Grande do Norte que
recebiam navios de carga e passageiros. Vale lembrar que o movimento
dos portos de Macau e Areia Branca era muito maior do que nos dias
atuais.
A gripe vai se interiorizando através da
velocidade das poucas linhas de trens existentes, dos raros automóveis
e, certamente com maior intensidade, através das patas dos cavalos e
burros. Sabemos de casos ocorridos em dezembro de 1918 em Lajes, Jardim
do Seridó e Acari. O interessante é que no sertão as notícias apontam
para uma letalidade baixa.
Remédios Para a Gripe Espanhola em Natal
Quem lê os jornais do período, percebe como aos poucos essa doença entra no cotidiano da população de Natal.
Os jornais estão repletos de anúncios de
remédios milagrosos que se dizem capazes de prevenir e de curar a gripe.
A oferta vai de água tônica de quinino a balas à base de ervas, de
purgantes a fórmulas com canela. Surgem propagandas de remédios, tais
como a “Kolyohimbina”, “Puritol”, ou o “Balsamo Philantropico”, que
prometiam a “cura milagrosa contra o mal espanhol”.
Em meio à apreensão causada pelo
alastramento da gripe, o comércio se adequava como podia a triste
novidade. A farmácia Torres anunciava que por 1$800 (um mil e oitocentos
réis) era vendido um preservativo que poderia ser utilizado no ato
sexual em meio ao surto de gripe, “prevenindo pessoas que dele fazem uso
com vantagem”. Para outras atividades a situação era mais complicada; a
fábrica de gelo da Força e Luz, a única da cidade, parou suas
atividades durante a ocorrência do surto.
Outros remédios vendidos em Natal,
conforme podemos ver na propagandas divulgadas nos jornais locais foram a
“Bromo quinina” e a “Toni Kina”, todos a base de quinino.
De Recife, com destino a Natal e Macau,
partiu o navio Curupu com milhares de pílulas a base de quinino. Além
disso, a Companhia Comércio e Navegação (CCN) doou dez contos de réis em
medicamentos nos municípios de Macau e Areia Branca, para serem
distribuídos com a população local.
Diante
de uma doença mortal nova e da falta de informação, a população fica
apavorada e acredita em qualquer promessa de salvação. Estamos
observando que até hoje é assim.
Ações do Governo de Ferreira Chaves
O governo estadual não se pronunciava
sobre muito sobre a crise. Apenas em 1º de novembro, o então governador
potiguar, Joaquim Ferreira Chaves, anunciou através do jornal A República,
que estava “agindo para acudir a pobreza desta cidade”, organizando na
escola Frei Miguelinho uma comissão de apoio, que visava fornecer
alimentação aos necessitados no bairro.
Este
trabalho estava sob a batuta do Diretor da Inspetoria de Higiene, o
Doutor José Calistrato Carrilho de Vasconcelos, com a participação do
professor Luís Soares, então diretor da escola Frei Miguelinho e do
padre Fernando Nolte. Outros que participaram foi o Dr. Antônio Soares,
tenente João Bandeira e o Senhor Laurentino de Moraes, contando com o
apoio dos escoteiros. Desta comissão o governo criou um Posto de
Assistência do Alecrim, onde trabalhavam os médicos Varela Santiago e
Marcio Lyra. A missão do Posto era fornecer remédios, alimentos e até
mesmo querosene para iluminação.
Um indício de como estava à situação no
bairro do Alecrim é apontada pela própria comissão, que em média atendia
a um número superior de 350 pessoas por dia. Escoteiros percorreram
diversas ruas do bairro para entregar alimentos e remédios nas casas dos
que estavam tão atacados que não tinham sequer condições de se
deslocarem para a escola Frei Miguelinho.
De barco seguiu com vários medicamentos
para as praias de Muriú e Maracajaú o farmacêutico Floriano Pimentel, da
Inspetoria de Higiene. As povoações existentes Nessas praias nessa
época eram prósperos entrepostos de comércio de pescado.
Outra notícia, sem detalhes estatísticos ou maiores referências, informa que o governador Ferreira Chaves buscava atender, com as mirradas condições do tesouro estadual, os inúmeros pedidos das cidades e vilas do interior para o combate a pandemia.
Mas se havia pouco dinheiro para ajudar os potiguares que viviam no interior, não faltou para outras coisas!
Em novembro de 1919, quando a gripe
espanhola era motivo de péssimas lembranças em Natal, o governador
Ferreira Chaves publicou a sua mensagem governamental no Congresso do
Estado, atual Assembleia Legislativa, onde prestou contas de suas ações
no ano anterior. Ele comentou que as despesas para fazer frente a gripe
espanhola chegaram ao valor de 30:314$850 (trinta contos, trezentos e
quatorze mil e oitocentos e cinquenta réis). O problema é que na mesma
prestação de contas o governador Chaves informou que comprou 17
reprodutores de “gado indiano”, para entregar a somente sete criadores
potiguares e por preço inferior ao custo. Com a justificativa de
“auxiliar a pecuária”, receberam essa benesse do governo potiguar
criadores como Juvenal Lamartine de Faria (recebeu dois exemplares),
Francisco Justino Cascudo (dois exemplares), Ezequiel Mergelino de Souza
(seis exemplares), Pompeu Jácome (dois exemplares) e outros.
Era
uma verdadeira bênção, porque cada reprodutor custou para o erário
público cerca de 1:783$000 (um conto e trezentos e oitenta e três mil
réis) e esses abonados fazendeiros tiveram que pagar por cada exemplar
apenas 600:000 (seiscentos mil réis). E nem precisaram pagar em dinheiro
vivo de uma única vez. Os exemplares do “gado indiano” foram pagos em
notas do Tesouro Estadual, com tranquilas prestações. O valor total da
compra dos animais para o tesouro estadual foi de 16:150$000 (dezesseis
contos e conto e cinquenta mil réis).
É inegável que esse tipo de ação
governamental visava a melhoria do plantel bovino potiguar, isso tudo em
uma época onde o Brasil tinha sua riqueza econômica ligada a
agropecuária e sua população vivia em grande parte no meio rural. Mas,
em um ano de terrível calamidade na saúde pública, em meio a mais mortal
pandemia já experimentada pela humanidade, gastar mais da metade do que
se gastou no combate à gripe espanhola com 17 touros, é no mínimo um
acinte.
Ações Para Diminuir a Força da Gripe Espanhola em Natal
Percebe-se pelos jornais que setores da
sociedade passaram a cobrar do governo uma maior atenção com as questões
de higiene pública, onde surgem cobranças para a extinção de lamaçais
existentes nas ruas da cidade, ou contra o abate de animais em
residências, além da providência de se enterrar com urgência as
carcaças.
Escolas alteraram suas rotinas. A
diretoria do extinto Colégio da Conceição decidiu encerrar a 23 de
outubro o ano letivo, “sem entrega de diplomas e sem festas devido à
epidemia”.
Conforme o medo do alastramento da doença
crescia, medidas profiláticas eram recomendadas. Mas algumas delas
pareciam saídas de algum tratado de bruxaria; lavagens intestinais com
água morna, chá de pimenta d’água com duas gotas de glicerina, ou tomar
um vidro de magnésia fluida, com vinte gotas de “briônia” e dez gotas de
“tintura de beladona”.
Em
meio aos carcomidos exemplares que restam dos antigos jornais
natalenses na atualidade, chama atenção um aviso publicado no início de
dezembro de 1918 pela Inspetoria de Higiene. Intitulado “A influenza
espanhola, conselhos ao povo”, onde entre outras coisas, solicitava
“evitar aglomerações, não fazer visitas, evitar toda fadiga e excesso
físico”. Mas eram tidos apenas como “conselhos”.
No Diário de Pernambuco, o seu
correspondente em Natal informou que para evitar a propagação da gripe
Fortunato Aranha, então presidente da intendência da capital, mandou
cancelar os jogos de futebol e encerrar o campeonato estadual de 1918.
Foi informado que a partir do final de
outubro o Governo Federal proibiu as aglomerações públicas. Os teatros e
os cinemas, além de lacrados, deveriam ser lavados com desinfetante. Em
Natal os cinemas Royal e Polytheama ficaram sem exibições
cinematográficas desde outubro e foram rigorosamente desinfetados.
Ainda no Diário de Pernambuco foi descrito
que a “Inspectoria de Hygiene” de Natal emitiu uma proibição para os
comerciantes locais não utilizarem, como era comum na época, papéis de
jornais para embalar os produtos vendidos.
O bispo de Natal em 1918 era Dom Antônio
dos Santos Cabral, o segundo a ocupar esse cargo. Ele mandou então
suspender o novenário e outras solenidades externas relativa as
comemorações de 21 de novembro, dia de Nossa Senhora da Apresentação,
padroeira de Natal. Uma das solenidades atingidas foi a tradicional
procissão. Dom Antônio ordenou também que houvesse a desinfecção das
igrejas, principalmente das pias de água benta. Pediu que os atos
religiosos fossem realizados sempre pela manhã, de forma mais rápida
possível e que os padres transmitissem ao maior número de participantes
medidas de higiene para evitar a propagação do vírus, além de dar
assistência aos necessitados. Como aconteceu nas Rocas, onde o bispo
incentivou as “Damas de Caridade”, grupo ligado à Igreja Católica, a
atuar nesta região no apoio principalmente às famílias dos pescadores.
Quando
sabemos o grau de religiosidade católica existente na população
brasileira da época, percebemos o quanto as ações de Dom Antônio se
coadunavam com o momento complicado.
Doentes e Mortes
Igualmente no Diário de Pernambuco foi
informado no início de novembro que em Natal haveria cerca de 2.000
pessoas atacadas pela gripe espanhola e que o número de mortos era
considerado pequeno.
O principal jornal pernambucano comentou o
estado de algumas pessoas ilustres que foram atacadas pela doença,
entre elas estava Francisco Justino Cascudo, comerciante, que se
recuperava. O interessante é que na mesma nota o filho de Francisco
Cascudo, Luís, também estava enfermo, mas não é dito de forma taxativa
que seria de gripe espanhola. Entretanto é algo provável, pois encontrei
a informação que o advogado Bruno Pereira, então diretor do jornal A Imprensa, que pertencia a Francisco Cascudo e era muito frequentado pelo seu filho, estava acometido de gripe espanhola.
Mas discretamente, nas páginas diárias de A República, surgem diversas notas de falecimentos atribuindo abertamente a gripe espanhola à causa da morte de várias pessoas.
São
inúmeros os informes, tais como o falecimento em 3 de novembro de
Armando de Lamare, superintendente da Estrada de Ferro Central do Rio
Grande do Norte. Ou dos dois filhos menores de José Calazans Carneiro,
funcionário dessa ferrovia. Já o capitão da polícia Abdon Trigueiro,
informava a morte do seu irmão, o sargento da polícia Othoniel
Trigueiro. Ou o falecimento de Alfredo Costa, serralheiro da Ferrovia
Great Western, que deixou numerosa família. Houve também a morte do
comerciário da empresa A. dos Reis & Cia., Miguel Medeiros, que
morreu nas dependências do hospital Jovino Barreto e foi enterrado no
cemitério do Alecrim.
Historiadores apontam que as famílias
ricas no Brasil de 1918 foram menos atingidas do que as famílias pobres
porque se refugiaram em fazendas no interior do país, mantendo distância
do vírus. No caso do Rio Grande do Norte, sem maiores dados é temerário
afirmar se a classe mais abastarda de terras potiguares na época foi,
ou não, muito atingida pela pandemia de gripe espanhola. Entretanto,
entre os inúmeros necrológicos publicados no período temos o falecimento
do desembargador Vicente Simões Pereira de Lemos, ou do comerciante
Alexandre de Vasconcelos, ou do professor Tertuliano da Costa Pinheiro.
O Fim do Pesadelo. Ou Não?
No mês de dezembro de 1918, os jornais
informam que da mesma forma abrupta que este pesadelo chegou a Natal,
ele estava deixando a nossa terra. No dia 11 de dezembro, a Inspetoria
de Higiene considerava praticamente extinta o surto de gripe espanhola
em Natal.
Do interior do Rio Grande do Norte chegam
notícias do declínio dos surtos. De Lajes o intendente Felix Teixeira
informava o recuo da doença e agradecia o apoio do governador Ferreira
Chaves.
No
dia 15 de dezembro o governo decidiu encerrar as atividades do Posto de
Assistência do Alecrim, o principal da cidade. Ao final houve
homenagens, festas e comemorações para a Inspetoria de Higiene, aos que
trabalharam e mantiveram ativo o Posto e aos escoteiros. Todos foram
recebidos com honras pelo mandatário estadual no palácio do governo.
Segundo informou o professor Luís Soares, em trinta dias de atividades o
Posto atendeu nada menos que 10.814 pessoas. Os escoteiros visitaram
neste período 169 casas, atendendo 135 doentes mais atingidos.
Infelizmente os jornais da época não
explicam com maiores detalhes estes dados estatísticos. Não sabemos se
destas 10.814 pessoas todas estavam doentes, ou o grau de virulência a
que foram submetidos e, principalmente, em nenhuma linha é divulgado
quantos morreram neste período. Acredito que em Natal se repetiu o mesmo
que ocorreu em outras partes do país; no momento da pandemia as
autoridades deliberadamente escamotearam os dados sobre a doença para,
talvez, evitar o pânico. Ou esconder suas incompetências!
Para uma cidade onde a população girava em
torno de 29.000 pessoas, um surto epidêmico que leva ao atendimento de
10.814 habitantes mostra a dimensão do problema que foi a gripe
espanhola.
Entretanto, como para estragar qualquer
comemoração pelo fim do mal, as mortes em Natal e no interior potiguar
não ficaram restritas a 1918.
Em
3 de janeiro de 1919 é publicado no Diário de Pernambuco o falecimento
do juiz distrital Ponciano Barbosa. Lembrado hoje por ser o nome de uma
rua no centro da cidade (atrás do Hospital Varela Santiago), em 1918
Ponciano era uma pessoa extremamente popular nos meios católicos de
Natal. Além da magistratura, era o Presidente do Círculo de Operários
Católicos, que naquele ano realizou um grande evento pelo aniversário do
falecimento do padre João Maria. No dia 1º de novembro esse juiz teve a
honra de receber em sua casa Dom Antônio dos Santos Cabral, para
realizar a cerimônia de entronização da imagem do Sagrado Coração de
Jesus. Pouco mais de dois meses depois Ponciano Barbosa faleceu em meio a
uma grande comoção na cidade. Já em Assú, em 24 de janeiro, faleceu em
decorrência da gripe o advogado Cândido Caldas, parente do famoso poeta
assuense Renato Caldas.
Na verdade, como houve em todo mundo, uma
nova manifestação da gripe espanhola atingiu o Rio Grande do Norte.
Tanto que o diretor da Inspetoria de Higiene, o Doutor Calistrato
Carrilho, reabriu um posto de atendimento na Repartição de Higiene. O
Dr. Carrilho informou entretanto que o número de falecidos nesse segundo
ataque foi pequeno. Esse novo momento da gripe marcou também a política
nacional, pois em 16 de janeiro o vírus vitimou Francisco de Paula
Rodrigues Alves, quinto presidente da República, no início de seu
segundo mandato, onde ele não chegou sequer a tomar posse. Uma nova
eleição fora de época é convocada e o eleito é o paraibano Epitácio
Pessoa.
Mas enfim, qual foi o número de mortos de gripe espanhola no Rio Grande do Norte em 1918?
É na mensagem transmitida pelo governador
Ferreira Chaves, publicada em novembro de 1919, que surge um dado
oficial sobre o número de mortos.
O governador informou que no relatório
preparado pela “Inspectoria de Hygiene” sobre as ações do governo na
área de saúde pública entre outubro de 1918 e junho de 1919, período que
o governo potiguar definiu como de duração da gripe espanhola,
faleceram 187 pessoas em Natal, cujo pico ocorreu entre novembro e
dezembro, com 125 mortos. Não existem números sobre o interior. Esse
número de 187 pessoas falecidas, não chega a ser nem sequer 1% da
população de Natal na época.
Já
Luís da Câmara Cascudo, afirma em seu livro História da Cidade de Natal
(1999, pág. 213), sem citar fontes, que morreram na cidade 1.086
pessoas, pouco menos de 4% da população. Cascudo informou que no ano
anterior o obituário local chegou a 699 pessoas.
Sem maiores dados eu não tenho como
responder essa questão com exatidão. Entretanto, observando os jornais
antigos onde temos a informação que no Posto de Assistência do Alecrim
foram atendidos 10.814 habitantes e os esforçados escoteiros visitaram
neste período 169 casas, atendendo 135 doentes mais atingidos, o número
oficial de 187 pessoas falecidas parece ser uma fantasia!
Mas esse tema ligado a estatísticas
controversas não se restringiu ao Rio Grande do Norte. Faltam dados
confiáveis a respeito das vítimas dessa pandemia em todo Brasil. Mesmo
assim, não há dúvidas de que essa doença foi avassaladora. Por exemplo,
em um único dia de 1918 o Rio de Janeiro chega a registrar mais de mil
mortes.
Tal como ocorre agora com o COVID-19, a
grande maioria de pessoas que contraíram a gripe em 1918 sobreviveu. Em
geral, as taxas nacionais de mortalidade dos infectados não superaram
20%. Entretanto, esses índices variavam de um grupo para
outro. Evidentemente, mesmo uma taxa de mortalidade de 20% supera
bastante a de uma gripe convencional, que mata menos de 1% dos
infectados.
Quase 90 anos depois, em 2008, os
pesquisadores anunciaram que haviam descoberto o que tornava a gripe de
1918 ser tão mortal: um grupo de três genes permitiu que o vírus
enfraquecesse os tubos brônquicos e os pulmões de uma vítima e abrisse
caminho para a pneumonia bacteriana.
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