sexta-feira, 25 de abril de 2008

BOINH0, O POETA DA RUA

Francisco Inácio Ferreira é o nome de registro de "Boinho" como é conhecido carinhosamente na cidade de Assu. Ele é funcionário público aposentado da prefeitura daquele município. Poeta popular de versificação fácil. Ele é preciso ser mais lembrado. Afinal de contas, poeta é poeta. Vive pelas ruas da  sua terra natal com a sua inseparável caneta, e papel no bolso, escrevendo versos amorosos, aproveitando os temas que a cidade inspira. Apesar de ser avançado nos anos, está entre os "novos" poetas do Assu. Tem vários livros publicados: "Estrada da Minha Vida", 2003, que a prefeitura dp Assu, publicou. E o poeta, na estrada da sua vida no seu próprio dizer, um dia melancólico, escreveu:

Hoje vivo torturado
Perdi tudo em minha vida
Perdi a jovem querida
Para falar do passado
Quando moço fui beijado
Vivo hoje nos escolhos
Sou tampa sem arrolhos
Velho gemendo com dor
Por causa de um grande amor
Molho com lágrimas meus olhos.

Postado por Fernando Caldas

terça-feira, 22 de abril de 2008

LEMBRANDO JOÃO FONSECA

"Pacó" (não sei o seu nome de registro) era uma figura boêmia da cidade de Assu onde exerceu a profissão de garçon nos clubes sociais da terra assuense. Trabalhando como servente num convênio que a prefeitura daquele município tinha com a Fundação SESP, ajudando fazer privadas pré-moldadas de cimento para serem doadas as pessoas carentes do Assu. Pois bem, João Fonseca, poeta e boêmio, era o Secretário de Administração daquela prefeitura, salvo engano, no governo de Walter de Sá Leitão (1972-75). Aí Pacó ao sair do trabalho, sujo em razão do materia que usava no trabalho, foi direto a prefeitura e, ao chegar na sala daquele secretário para que ele, Fonseca, autorizasse a tesouraria fazer o pagamento dos seus serviços prestados, que seria pago pela verba do FPM - Fundo de Participação dos Municípios, João Fonseca versejou de improvisou essa quadrinha:

Eu não lhe posso pagar
Pois você está imundo
Vá primeiro se banhar
Pra receber pelo 'fundo.'

sábado, 19 de abril de 2008

WALTER DE SÁ LEITÃO, DE NOVO

Walter de Sá Leitão era meu tio-afim por ser casado com Evangelina Tavares de Sá Leitão, irmã de minha mãe Gelza. Por sinal, Walter e Evangelina eram também meus padrinhos de batismo. Pois bem, certa vez, Walter ao chegar em sua casa, deparou-se com um amigo e compadre chamado José Joaquim de Oliveira, figura muito querida e conhecida na cidade de Assu,  sem camisa na sala de estar de sua morada. Ai Walter que além de espirituoso era também presepeiro (no bom sentido), foi logo tirando o sapato, a camisa, a calça, ficou só de cueca samba canção, insinuando tirá-la, para espanto daquele de Zé Pretinho que disse assim: "Mas, compadre Walter, o que está acontecendo?" - Walter de pronto, respondeu: "Seu negro filho da puta. É para você saber que o dono da casa sou eu?"

Walter era proprietário de uma fábrica de pré-moldados (hoje de propriedade de seu filho Carlos Alberto, conhecido na intimidade como Juca). Um certo peão daquela empresa, certo dia se dirigiu a Walter para um entendimento com a seguinte com a seguinte reclamação: "Seu Walter, eu trabalho o dia todo e o seu filho que não vem nem aqui, ganha muito mais do que eu! Não dá pro senhor aumentar o meu salário, não!" E Walter com aquela sua irreverência, não se fez de rogado": "Você deixe eu fazer com sua mãe o que eu faço com a dele?"

Na qualidade de prefeito do Assu (1972-75), uma certa esposa de um certo motorista daquela edilidade assuense, adentrou no gabinete do prefeito para adverti-lo: "Seu Walter, olhe. Fulano de tal está toda noite no Cabaré "Chão de Estrela", no carro da prefeitura!" Disse-lhe aquela mulher enciumada, denunciando o marido mulherengo. Ai Walter saiu-se com essa, que logo se espalhou pela cidade inteira: "Aquele filho da puta nunca que me chamou"!

Fernando Caldas

sexta-feira, 18 de abril de 2008

PENSAMENTOS

- Saio de mim e às vezes me procurando. Perdão se me acho e assim as vezes fora de mim.

- Cantai lindo pássaro. Cantai amorosamente a vossa alegria. Assim que se é pássaro.

- A vida incide aflitivamente. É a concessão irrefreável.

- Errar é comigo. Nunca acerto convosco.

- Oh vida! Os teus milagres nem sempre são doçuras, mas não me dês tanto! Não me dês tanto, tanto! Não me dês tanto, tanta amargura.

- Com esses olhos grossos de chuva eu quero chorar.


Escreveu João Lins Caldas 

terça-feira, 15 de abril de 2008

TERÇA FEIRA

"Quem seria aquele homem, bornal a tiracolo, pés metidos em botas inevitáveis, chapéu e gravata, espingarda, físico miúdo, parecido um bandeirante a procura de esmeraldas?

Quem seria aquele homem, amigo e contemporâneo de Olavo Bilac, Da Costa e Silva, Alberto de Oliveira, Tasso da Silveira, Mário Pederneiras da Silva, Alberto de Oliveira, Hermes Moreira, Murilo Araújo, Hermes Fontes, Osvaldo Aranha, Lima Campos e José Geraldo Vieira?

Quem seria aquele homem que amava os animais, convivia com eles, conversava com eles, como se fôsse o povorelo de Assis?

Quem seria aquele homem, quase réplica de São João Batista (padroeiro do seu povo) comendo gafanhoto e mel silvestre, também como ele, um caniço agitado ao vento?

Quem seria aquele homem que acreditava na encarnação e dizia e repetia que as palavras não se perderiam nunca, que um dia todas elas voltariam gravadas eletronicamente pelo absoluto?

Quem seria aquele homem, abandonado ao sonho, sonhando frutos e legumes na mesa de todos, sonhando pássaros cantando, calculando produção, vislumbrando exportação, numa terra bíblica para ele, onde o cordeiro e o lobo conviviriam um dia e que ele a chamou de Frutilândia?

Quem seria aquele homem, "ansioso por conhecer o outro lado", mistura de eremita e visionário, um pouco de demônio e muito de Deus, cujos versos já foram declamados na BBC de Londres?

Quem seria aquele homem que foi-se embora pra Frutilândia, mais bela do que Pasárgada, mais distante do que os asteróides de Saint-Exupery?

Quem seria aquele homem, cujos versos as escolas não conhecem e cujo nome não enfeita nem as praças, nem as avenidas, nem as portas dos botequins?

Se eu fosse prefeito do Açu, cada rua teria o nome de um poema de João Lins Caldas. Uma se chamaria Ïsabel"; outra, "Quando Laura Morrer", a praça do cemitério se chamaria "Sinfonia Negra"; o clube se chamaria "Dentro do Sonho"; a praça da matriz, "Deus Tributário"; o quartel, "Litanias de Um Doido"; o acesso à cidade "Chão de Enterro", o hotel se chamaria simplesmente "A Casa".

Se eu fosse prefeito do Açu, colocaria os poemas de João Lins Caldas nas estradas, nas pedras, nas porteiras, nas despedidas, nas saudações, e a quem não se confessasse convencido, eu repeteria o seu diálogo:

"Consola-te. Afinal não há mais nada".
Não há mais nada? E o coração da gente?"

Se eu fosse prefeito do Açu, eu pederia ao DNOCS para que o projeto de Irrigação se chamasse Frutilândia e que os técnicos antes de percorrer o vale, tivessem em suas mãos o sonho de João Lins Caldas:

Como essa manhã me acorda com os passarinhos
Que matinal de árvores e de pássaros
Pinga o orvalho das folhas como pérolas trêmulas, molhadas,
Cardeiros à distância e perto a cerca fulfa dos cercados.
No terreiro da casa, as galinhas ciscandos
Um pio de nambu é remoto à distância...
Ouço e vejo lá fora... há como que em mim um anseio de embriagado.
Vontade de correr, andar, ser como um pequeno cabrito a saltar pelo relvado...

O milho verde a subir, a cana grossa, o espigar das bonecas...
O louro-roxo do cabelo aqui e ali pelos ventos levado...
Parado... o ar aqui, agora, um ar parado...
Nem um grilo a trilar nem um mover de folhas...

Sáio... acendo o cigarro... as mãos trêmulas de gozo...
Isso que aqui plantei, que as minhas mãos cavaram...
cajueiros aos cem, azeitonas, mangueiras...
Ah! Se eu tivesse na vida como aqui sempre plantado.

E vejo, no crescer, pequena, a laranjeira
Tão verde no buraco fundo que lhe foi cavado
A minha laranjeira! A minha laranjeira!
Os frutos que dará encantando o cercado.

Meu rancho, ali, os potes na biqueira...
Pobreza assim riqueza só... um dia
Reposarei em mim essa pobre cabeça de cansado...
Lembrarei meus veros, direi versos para mim e para o céu estrelado...

A noiva que não tive... e recordo sem mágoa
Aquela que passou, culpa de mim que somente
Vão em cortejo ao olhar do meu pensamento, sombras vagas.
Arina! Um filho pela mão... lá atravessa seu filho...

E os filhos que não dei, as almas culpa de mim que não vingaram
Basta... volto-me ao sítio do meu silêncio proclamado
É a música de tudo em tudo que de mim, na sua essência...
O sol... o sol dessa manhã é agora todo o meu cuidado.

Olho o sol... a ânsia de talvez de pelo sol perder-me
E já não ser de tudo aquele mundo todo nas raíses...
As árvores que quero ver... as pequenas plantas que quero ver dos meus pequeninos berços elevadas.
E olho-as... as minhas crianças verdes, as minhas romanzeiras enramadas...

O cigarro se apaga, a fumaça não sobe...
Vamos entrar o rancho, agitar gravetos, fazer o fogo...
E brinquedo, o meu cão, que aqui por esse andar me tem sempre acompanhado...
Olhos aos olhos do cão... não, Brinquedo que nem sempre tem me acompanhado.

Agora eu entendi porque João lins Caldas disse certa vez: "O Açu é meu inferno".

Agora eu entendi porque em Bauru, ao ouvir em 1932, VIVAS a São Paulo, ele cortou a multidão como um relâmpago inesperado: "Alto lá! Viva o Brasil!"

Agora eu entendi os seus telegramas malcriados ao ditador Vargas e o seu voto permanente (mesmo que ele não fosse candidato) a Eduardo Gomes.

Agora eu entendi porque ele admirava tanto Carlos Lacerda e de repente em 1964, eliminou-o de sua convivência mental.

Agora eu entendi. Ele nasceu impregnado climaticamente de liberdade. Não foi por acaso que João Lins Caldas nasceu em 1888".

José Luiz Silva
(Do livro "Apesar de Tudo", 1986)


sábado, 5 de abril de 2008

O ESPETÁCULO DAS ÁGUAS!

No instante em que presenciamos o espetáculo das águas do Rio Piranhas (de barreira a barreira, no dizer popular), Barragem do Assu, Açude do Mendubim e do Pataxó sangrando, deparamos também com as imagens dramáticas dos retirantes e desabrigados daquela região ribeirinha da várzea do Assu, agora castigado pela enxurrada que também destroi vilas, plantações e cidades. Um ano, dois, três, dez de seca, vem um ano de enxurrada. É assim o Nordeste brasileiro. E me faz lembrar o poeta matuto Renato Caldas que um dia, na sua aflição, escreveu o longo poema intitulado "Inxurrada Mardita", dizendo assim:

Seu moço, inda me alembro...
Me alembro cuma ninguém:
- O tempo véio num léva
Aquilo qui se quiz bem,
Nem hai dinheiro qui págue
Um amô qui a gente tem.

Faz muito tempo, seu môço,
Nós morava no sertão...
E a sêca véia danasca
Veio qui nem um ladrão:
Furtando os verde das fôia,
Rôbando ás águas do chão.

E, a sêca, qui levô tudo,
Qui quage acaba o sertão!
Trôve alegria, seu môço
Pru meu pobre coração...
E o marvado do inverno
Levô sem tê precisão.

Mecê num sabe o qui foi,
Eu vou dizê a mecê:
- Um dia de tardinzinha,
Ante do escurecê,
Tava na porta do rancho,
Pensando nem sei em quê?

Quando aparece na estrada,
Lá pras bandas do grotão,
Um bando de arritirante...
Seu môço, era um bandão!
E no mei daquela gente
Vinha a minha perdição.

Uma cabôca fermósa...
Tão bonita... cuma o que?!
Os óio, os cabelo dela,
Eram pretos de duê
E o resto daquele anjo,
Num tem quem possa dizê.

Apois bem: só pruque ela
Veio sê minha alegria,
Deus de inveja, de ciúme,
Mandô chuvê todo dia...
Inrolô um mêz chuvendo!
Quage a terra amolecia

Ficô logo tudo verde!
Logo. os riacho correu.
A cabôca foi simbora
com tudo que era seu
E ainda levô cum ela,
Argum pedacinho meu.

Levô foi tudo, seu môço:
A alegria do Sertão,
As notas daquela viola,
O batê do coração
Desse cabôco sarado
Nascido lá no Grotão.

É, cuma quem tem, seu môço,
Uma vasante aprantada...
Adespois, vem uma enchente,
Leva tudo na inxurrada
- Apôis eu tinha nos peito,
Uma vasante aprantada.

Ah! inverno miserave,
Inverno véio ladrão!
Truvésse o verde das foia.
Truvésse as águas do chão...
Mas, carregô na inxurrada,
O meu ppbre coração.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

INDIO JANDUI

Sou Janduí, sou da taba,
Meu patrimônio, ele só,
Riqueza que não se acaba,
Tem a várzea e o piató

Peixe, banho de lagoa
Riqueza que se conta a mais,
Bem vastos carnaubais.
Filho da terra dileta
O bravo de Curuzu
Nosso, um destino poeta,
Grandeza que é mesmo Açu.

João Lins Caldas
17 de abril de 1967 (um dos seus últimos versos).

sábado, 22 de março de 2008

"TRILOGIA DO COTIDIANO - CRÔNICAS, PERFIS E CAUSOS"

O livro (titulo acima), publicado em 2003 é de autoria do escritor Valério Mesquita. Aquela obra literária recebi de Valério com a seguinte dedicatória: "Ao Fernando Caldas, com a admiração e a satisfação de prefaciar o seu livro "Renato Caldas de Cabo a Rabo".

Naquela edição, Valério faz referências aos escritores potiguares do Assu como Celso Da Silveira (já falecido) e João Batista Machado, ambos merecedores de muitas honrarias que nunca pediram aos assuenses e ao Rio Grande do Norte, mas que tanto merecem.

Quero, portanto, deixar registrado que nós assuenses  precisamos lembrar mais os nossos poetas, escritores e jornalistas que dignificam e engrandecem a literatura, a cultura e a História do Rio Grande do Norte. Vamos conferir o que disse o escritor Mesquita sobre Celso e Machadinho, respectivamente:

50 ANOS DE "ARTES"

É o título jocoso e lírico da exposição que o escritor Celso da Silveira exibe na Capitania das Artes, de 22 de abril a primeiro de maio.

Celso é um patrimônio vivo da Cidade de Natal. Desde a sua vida boêmia ao lado de Berilo Wanderley, Luís Carlos Guimarães, Newton Navarro, Sanderson Negreiros, Veríssimo de Melo, José Melquíades, Albimar Marinho, Djalma Maranhão e tantos outros
que a memória não alcança, passando por Câmara Cascudo, o bardo assuense assinalou a sua presença na poesia, na vida pública, na trova, no teatro, na literatura, na pesquisa, no jornalismo, com inteligência, criatividade e bom humor.

O gordo é uma expressão lídima de ecletismo cultural que não tem similar na atual geração de intelectuais. Certa vez, perguntei-lhe por que nunca se candidatou à Academia de Letras. "Para preservar a minha rebeldia. Quero caminhar livre e independente", respondeu com aquele sotaque do tempo do Solar da Baronesa do Vale do Assu. Celso nunca renegou as suas raízes telúricas. Sente-se bafejado pelo vento carpidor e inspirador da "terra dos poetas", que produziu Moisés Sesiom, Renato Caldas e Chisquito.

Lembro-me, quando assumi a Presidência da Fundaçõa José Augusto, em outubro de 1980, ao terminar o discurso de posse, Celso quebrou o protocolo e pediu a palavra. Tomei um susto. Logo imaginei que podia ser esquisitice de poeta, exatamente no momento inaugural de minha estréia. E na presença das mais altas autoridades do dito mundo intelectual e administrativo de Natal, Celso me deu "conselhos" de forma desembaraçada e desimpeida. Mais um ponto para a sua marca registrada, a sua logomarca: a irreverência. Depois, pegue "whisky", ao lado de Evilásio Leão de Moura, Racine Santos sob o olhar de mormaço de Deífilo Gurgel.

Se o eleitor desejar saber sobre o que Celso da Silveira escreveu, aproveite os últimos dias da exposição. Vá à Capitania das Artes. Afinal, são cinquenta anos de "artes" que esse gordo travesso produziu e que teve por um tempo, em sua vida, uma estrela guia, estrela manhã, lânguida anunciadora do dia e da poesia: Myrian Coli, que lá está, também.

MACHADO NO IHGRN

A formação jornalística de Machado de Assis moldou-lhe o estilo e a visão do Brasil do seu tempo. Câmara Cascudo, o grande Cascudo, inesgotável na abrangência de sua obra, aprimorou o seu estilo, inconfundível, leve, aliciante, conciso e agradável, ao escrever, diariamente, as suas "Actas Diurnas". Ali, nas páginas inesquecíveis da "República", está, dia a dia, a História do nosso povo, de nossa sociedade, por um período marcante do século XX. Mas também os sentimentos humanos que adquiriram e revelaram sua abrangência universal. Refiro-me ao sentir e ao sonhar dos povos, em escala planetária, entre duas grandes guerras, no transcorrer da Segunda Guerra Mundial e a construção de um novo mundo após, o cataclisma de destruição gerado pelo ódio e pela insanidade dos homens.

Eis o universo, complexo e desafiador da vida profissional de João Batista Machado. Aquele rapaz, inquieto e idealista, que deixou a sua querida cidade de Assu, na década de 1960, para realizar seus sonhos em Natal. sua vocação se revelou espontaneamente. Foi uma opção de vida. Seu salto para a maturidade, exaurindo prematuramente sua adolescência, ocorreu ao exercitar o jornalismo na tribuna do norte. Nos anos 70, jornalista reconhecido e disputado, realizando inesquecíveis reportagens e entrevistas com os grandes homens públicos do Estado, encontrava-se no primeiro time do Diário de Natal. Naqueles tempos, o jornalista, além do compromisso com a verdade e a preservação de sua dignidade profissional, tinha que conviver com os constrangimentos emanados da conjuntura político-institucional. João Batista Machado jamais sucumbiu nos seus vales e nos seus compromissos ético-profissionais.

Cascudo, comentando em tom jocoso o quotidiano do viver em Natal, dizia que "nesta cidade tudo se vê, tudo se ouve, nada se esconde". O conceito profissional como jornalista digno e competente foi o referencial que levou o governador Tarcísio Maia a convidar João Batista Machado para assumir e exercer em seu governo o cargo de Assessor de Imprensa. Do mesmo modo nos governos de José Agripino, Maia, Radir Pereira, e Vivaldo Costa. Também exerceu o cargo de Assessor de Imprensa da Federação do Comércio do Rio Grande do Norte e do sistema SESC/SENAC. Atualmente é Diretor de Comunicação Social do Tribunal de Contas do Estado.

Carlos Castelo Branco, que, através de sua coluna diária no "Jornal do Brasil", registrou e analisou a nossa História em 50 anos do século XX, dizia que o jornalista é ao mesmo tempo personagem e espectador da História.

E por falar em Castelinho, o genial jornalista que reinventou o jornalismo político no país com brilho e credibilidade informativa, devo dizer que o João Batista Machado também assim procedeu com relação ao Rio Grande do Norte, tanto através de suas reportagens ao longo do tempo, como através dos seus livros. E registro, igualmente, a simpatia e apreço que o pequeno grande jornalista piauiense, devotava ao seu colega de Assu, amizade construída em Natal em 1982, quando aqui veio em missão profissional, deixando os dois, como não poderia deixar de ser, pelos bares e restaurantes natalenses, a marca registrada do consumo do melhor escocês. Quatro anos depois, Machado precisou retificar uma notícia veiculada na célebre coluna de Castelo no Jornal do Brasil a respeito da política do RN. E para merecer uma acolhida "in totum", nessa coluna, só quem desfrutasse efetivamente de prestígio político e cultural ou de estima pessoal do renomado jornalista. O nosso João Batista ocupou o espaço que a amizade e a admiração do seu colega lhe permitiam na edição do Jornal do Brasil de quarta-feira, 17 de setembro de 1986, através da transcrição de um longo esclarecimento.

João Batista Machado fez História. Seus livros, todos eles, preservam a memória política do nosso Estado. Dá-lhe vigor e autenticidade. Assim se sucederam "De 35 ao AI-5", "Política no atacado e no varejo", Anotações de um repórter político", "Como se fazia governador durante o regime militar", Anotações de um repórter político", Como se fazia governador durante o regime militar", "1960: Explosão de paixão e ódio" e "perfil da República no Rio Grande do Norte. A sair, Testemunhas de Ausentes (48 perfis).

A vida profissional e a obra de João Batista Machado, limpo e isento, há muito tempo, tornaram-no membro desta casa. Sua posse formal, pública e solene, é apenas mais um gesto de reconhecimento e gratidão da sociedade a quem tanto ilustra e honra, com seu exemplo de jornalista ético e competente, de uma conduta pessoal feita de dignidade, e sua obra, documento vivo e imperecível da nossa História.

quinta-feira, 20 de março de 2008

JOÃO LINS CALDAS

O jornal intitulado Circulador, nº 17, março - 2008 (matéria intitulada Expoentes Poéticos do Rio Grande do Norte), Pág. 7, editado pela Fundação José Augusto, Natal, lembra com muita justiça o grande poeta assuense de Goianinha (RN) chamado João Lins Caldas. O texto transcrito abaixo é de autoria do poeta e escritor Marcos Ferreira em "Breviário da Poesia Norte-Rio-Grandense", ainda inédito. Vejamos:

"Nascido no município de Goianinha, RN, no dia 1º de agosto de 1888, João Lins Caldas é mais um dos grandes injustiçados da literatura norte-rio-grandense. Ainda hoje, passados mais de quarenta anos de sua morte, o conturbado homem de engenho e sonetista de escol permanece num vergonhoso esquecimento. Afora a publicação de "Poética" (1975), antologia postumamente organizada por Celso da Silveira, nada mais o Rio Grande do Norte fez pela sua obra e memória. Sem livros publicados em vida, marginalizado e ignorado em seu próprio Estado, sua poesia jamais se ajustou a nenhuma escola ou vertente literária. Quando muito, constato ao longo dos seus versos um modernismo simbolicamente parnasiano. No Rio de Janeiro, para onde se transferiu em 1912, João Lins Caldas viveu dias incertos e padeceu privações. Colaborou com os principais veículos de comunicação daquela época, a exemplo do jornal "O Malho" e da revista "Fon-Fon". Na Cidade Maravilhosa, entre outros, tornou-se amigo do romancista José Geraldo Vieira, de quem reproduzo o seguinte testemunho: "Pobre, emigrado do Nordeste, conheci-o ao tempo de Lima Barreto, Hermes Fontes e Antônio Torres, na porta da Garnier. Trabalhava como revisor de jornais à noite; vivia na Biblioteca Nacional, de tarde; almoçava e jantava sanduíches de mortadela e caldo de cana, na Galeria Cruzeiro. De volta à terra natal, trazia na bagagem inúmeros desenganos e vasta produção inédita. Entre seus livros não publicados, Rômulo Wanderley menciona "Deus Tributário", "Casa de Pássaros" e "Pulso de Febre". Esquecido e ignorado pela intelectualidade potiguar, João Lins Caldas faleceu em Assu aos 19 de maio de 1967".

LIVRO PERDIDO

Eu tinha o livro irmão desses cadernos,
Que tenho hoje espalhados na gaveta
Era escrito por mim com tinta preta
Tinha sonetos amorosos, ternos...

Branco, continha os madrigais eternos
Que nos lembra a saudade de um poeta...
Nele brilhava, lânguida, secreta
Toda min'halma de gelidez de invernos...

Um dia o livro me caiu dos dedos...
Arrastando consigo os meus segredos
Foi-se esse raio do meu morto brilho...

Fui procurá-lo loucamente aflito
E pela estrada ressoou meu grito
Lembrando um pai que procurasse o filho...


sábado, 15 de março de 2008

"SAÚDE NO FIOFÓ"

O título referenciado acima é o último verso do poema intitulado de "Qué vê matuto humilhado, é tá doente das parte", do poeta matuto Jessier Quirino. Aquele bardo paraibano, no seu livro de estreia sob o título "Paisagens de Interior", 1996, editora Bagaços, do Recife, faz referência, na introdução daquele volume, ao consagrado poeta assuense Renato Caldas na qualidade de seu admirador. Sobre o poeta de "Fulô do Mato", disse, certa vez numa entrevista, Jessier Quirino: "particularmente eu admiro muito o Renato Caldas, os poetas do Assu em geral. Como pesquisador, minha admiração pela obra de Renato Caldas é latente porque a poesia dele tem um lado lírico, como Zé Limeira e Zé da Luz". Jessier, penso eu, é o poeta matuto mais aperfeiçoado da Literatura Popular Brasileira, além de excelente declamador, sabe com maestria, contar os causos matutos, ou mulher dizendo: é um grande artífice, igualmente a Renato, da poesia escrita em linguagem genuinamente sertaneja. Eis o citado poema para o nosso bem estar:

No tronco do ser humano
Nos finá mais derradêro
Tem uma rosquinha enfezada
Que quando tá inframada
Incomoda o côipo intêro.

Se tussí se faz presente
Se chorá se faz também
O caba não pode nada
Cum nada se entretem
Eu lhe digo, meu cumpade,
Não deseje essa maldade
Pra "rosca" de seu ninguém.

Não sei o nome da cuja
Desta cuja eu tiro o já
O que resta é quase nada
Bote o nada na parada
Quero vê tu aguentá.

Eu lhe digo, meu cumpade,
Que é grande humilhação
Um caba do meu quilate
Adoecido das parte
Fazê uma operação
Não suportando mais dô
O meu ato derradêro
Foi procurá um doutô
De "bocá de arenguêro

De bocá de arenguêro
Fejoêro e Fiofó
Bufante, Fresco e Lôrto
Apito, Brote e bozó.

De Furico e Fedegôso
Piscante, Pelado e Bóga
Fosquete, Frinfra e Sedém
Zuêro, Ficha e Vintém
De Ás de Copa e de Fóba.

De Oiti, Ôi de Porco
Ané de Couro e Caguêro
De Gira-sol e Goiaba
Roseta, Rosa e Rabada
Bôto, Zéro e Mialhêro.

De Nó dos Fundo e Buzéco
De Sonoro e Pregueado
Rabichol, Furo e Argola
Ané de Ouro e de Sola
Boca de Véia e Zangado.

Um doutô de Aro Treze
De Peidante e Zé de Bóga
Que não aperte o danado
Nem deixe com muita folga.

Um doutô piscialista
Em Bocá de Tarraqueta
Doutô de Quinca e Dentrol
Zebesquete e Carrapeta.

Doutô de Rosca e Rosquinha
Tareco, Frasco e Obrom
Ceguinho, Butico e Zero
Tripa Gaitêra e Fon-Fon.

Mialhêro e Mucumbuco
Buraco, Brôa e Boguêro
For Ever. Cruaca e Urna
Gritadô, Frande e Fuêro.

Cano de Escape e Pretinho
Rodinha, X.P.T.O.
Zerinho, Subiadô
Tripa Ôca e Fiofó.

De Joli de Zé de Quinca
Canal 2 e Cagadô
Buzina, Vesúvio e Cego
Federá e Simsinhô
Fagulhêro e Zé Zuada
Rosquete, Fim de Regada...
... Eu só queria um doutô.

O doutô se preparou-se
Parecia Galileu
Aprumou um telescópio
Quem viu estrela foi eu
Ele disse arribe as perna
- Tenha calma, sonho meu
A parti daquela hora
Perante Nossa Senhora
Não sei o que sucedeu.

C´as as força da humildade
Já me sinto mais mió
Me desejo um ânus novo
Cheio de velso e forró
Pros cumpade com franqueza
Desejo grande riqueza:
Saúde no Fiofó.

Posta por Fernando Caldas

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

"UM LIVRO INESQUECÍVEL"

"A doce voz de uma mineira de Lavras ressuscitou nestas páginas o mundo ambiente que constituía a sua paisagem familiar. Um encanto da evocação é ainda de não ter alterado, na marcha da própria cultura adquerida, as linhas melódicas da cantiga infantil.

É a saudade vencendo o tempo. Essa menina de Minas Gerais. Maria Eugênia Maceira, hoje senhora Nelson Borges Montenegro, reconstrói a meninice feliz e despreocupada, na movimentação incessante e normal do cenário de Lavras, Sant'Ana de Lavras do Funil, Princesa do Sul, Atenas Mineira.

O pai é português, emigrado do norte de Portugal, engenheiro, agrimensor, desenhista, fotógrafo, hortelão, jardineiro, matemático, trabalhando na estrada de ferro e nas rodovias, doutor formado na Universidae da Vida, com intuições geniais de adaptação técnica. A mãe, brasileira, com sete filhos, educa, vitaliza e enriquece o espírito de sua floração inquieta, sadia, natural.

Maria Eugênia Maceira Montenegro reconduz os passos para a rua d. Inácia, com sua noite colonial de escuro, estrelas no céu e sacis-pererês cabriolando nos caminhos silenciosos. Uma a uma as figuras reaparecem, completas, íntegras e vivas, recomeçando o romance da cotidiana missão de esforço e de esperança. A moldura de lavras volta a uma presença legítima sob as luzes sentimentais das lembrança, serras, águas, flores, pássaros.

A vida para a menina é sua família, pais, irmãos, primos e tias, um pequenino universo com seus ciclos gravitacionais e luminosos de episódios íntimos, passeios, brigas, desejos, viagens curtas e sonhos longos, todos os elementos que compôem a ecologia imultável das recordações.

Mas essas memórias de uma menina feia vividas entre fúcsias e jasmim, revendo o baúzinho verde onde o passado esconde as riquesas da memória fiel, olhando colibrís, borboletas e marimbondos, casas, fisionmias queridas, é também um documento precioso pela sua veracidade, no plano testemunhal, de uma família modesta e pobre, mantida pela obstinação de todas as horas, com a mão tradicional, inesgotável de força criadora, impressionante na grandeza comunicativa de energia. Depoimento da normalidade familiar brasileira em Minas Gerais, reserva de perenidade moral na resistência coletiva.

Vereis como essas crianças foram educadas, alimentadas, postas no ritmo inflexível do trabalho, da colaboração pessoal, numa ante-preparação ao solidarismo social. Naquela casinha da rua d. Inácia, não há seres inúteis, preguiçosos, indolentes e fixados ao marginalismo aproveitador da produção alheia. Até Maisé trabalha no mundo povoado de bonecas sublimadoras da frustração maternal.

Compreende-se por esse Saudade, teu nome é menina como a família a perpetuidade do grupo nacional, não porque as crianças nascem, mas, porque as mães anônimas sabem transformá-las em homens dignos e em mulheres admiráveis. Vai d. Gena contando sua história nas estórias de sua meninice. Ecerra o velário quando ama, noiva, casa, com um nordestino estudante em Lavras, acompanhando o marido para paisagens distantes, estranha e diversa das verdes matas, águas catadupejantes, frios de inverno, da mesma alimentação que a terra justifica em sua generosa multiplicação, frutos, verduras, hortaliças. Nas várzeas do Assu, riscadas pelo rio que ressuscita quando chove, olhando carnaubais, a mineirinha da casinha de madeira do jardim, do pomar da rua d. Inácia, laboratório de exemplos tranquilos de confiança e de fé e transmite ao filho, o mais fidalgo dos quatro mosqueteiros, a reminescência de como sua vida começara, limpa e nobre, ensopada no leite mais puro da ternura humana. Um dos encantos deste livro é a sua comunicabilidade. Vivemos também no seu tempo, morando na mesma casa, recebendo as bençãos ds mesmas tias, os presentes quando papai voltava, comendo doces inesquecíveis e dos pratos telúricos da cozinha mineira. Tantos fios emocionais nos prendem na indêntica insistência da mesma teia eterna e permanente dos lares onde o sono infantil é guardado pela asa do anjo da guarda maternal, A autora, sem pensar e talvez sem querem, conseguiu esse milagre de afetuoso contágio. Todos os seus leitores participam dos encantos sem pecados e na convivência sem vícios dessas roseiras mineiras, cujas flores se trasplantam para o nordeste, recriando e mantendo a beleza cristã dos lares felizes."

Luis Da Câmara Cascudo

(Do livro estréia intitulado "Saudade, Teu Nome é Menina", da escritora assuense de Lavras, Maria Eugênia)


domingo, 3 de fevereiro de 2008

UM POUCO DE MOYSÉS SESYOM

Moysés Lopes Sesyom nasceu no dia 28 de julho de 1883 no sítio Baixa Verde, Caicó-RN e viveu grande parte da sua vida na cidade de Assu há partir de 1905. Naquela terra assuense começou a produzir versos satíricos, chistosos, fesceninos, que lhe fez poeta consagrado. Ficou conhecido como "O Bocage Riograndense". Câmara Cascudo no seu livro intitulado "O Livro das Velhas Figuras, volume 4, depõe que Sesyom (conta-se que ele começou a versejar já adulto, aos 30 anos de idade)"sem saber, era poeta verdadeiro, espontâneo, inesgotável, imaginoso, original."

Certa dia, bebendo num certo botequim da cidade de Assu alguém lhe dera o seguinte mote: "Bebo, fumo, jogo e danço / Sou perdido por mulher". Aquele bardo boêmio de vida atribulada, escreveu na hora a seguinte décima que se tornou célebre:

Vida longa não alcanço
Na orgia ou no prazer,
Mas, enquanto eu não morrer
- Bebo, fumo, jogo e danço!
Brinco, farreio, não canso,
Me censure quem quiser...
Enquanto eu vida tiver
Cumprindo essa sina venho,
Além dos vícios que tenho,
Sou perdido por mulher!...

A glosa seguinte é uma das mais notórias que Sesyom produziu. Vamos conferir:

Isto ontem aconteceu
Debaixo da gameleira.
Foi um tiro de ronqueira,
O peido que a doida deu.
A terra toda tremeu,
Abalou todo o Assu,
Ela mexendo o angu,
Puxou a perna de lado.
Deu um peido tão danado
Quase não cabe no cu.

Francisco Amorim depõe em Eu Conheci Sesyom, 1. Edição, que o mote "Sua mãe foi fêmea minha" foi dado a Sesyom por um amigo que se encontrava bebendo com ele no Hotel Pátria, da cidade de Assu, que ali mesmo Sesyom glosou:

A sua raça é safada
Desde a quinta geração
Seu avô foi um cabrão
Sua avó, puta de estrada
Sua filha, amasiada
Prostituta uma netinha
Uma irmã que você tinha
Esta pariu de um criado
Seu pai foi corno chapado
Sua mãe foi fêmea minha.

Sesyom numa feliz inspiração, com amor a sua terra natal, escreveu o soneto publicado no jornal "A Cidade", de Assu, edição de 13 de março de 1927, intitulado "Soneto", que diz assim:

Caicó, berço de luz. Terra adorada.
De belas tradições. Bem conhecida.
Onde, em tempo, passei vida folgada,
Terra que nunca esquecerei na vida.

Caicó, ninho querido. Idolatrada,
Terra sem outra igual, calma, florida,
Onde meus pais nasceram, abençoada,
Onde reside minha mãe querida.

Vivem ali na formosa paz da serra,
Meus irmãos de quem vivo separado,
Filhos que também são daquela terra.

Terra de Senador e Deputado,
Onde nasceu o Padre Brito Guerra
E o nobre Presidente do Estado.

Sesyom é Moiysés ao contrário. Morreu no dia 9 de março de 1932 e está enterrado na Cemitério São João Batista, da cidade de Assu/RN.

Fernando Caldas






















sábado, 2 de fevereiro de 2008

UM POETA MATUTO

O poeta popular Paulo Varela é natural do Assu (RN), meu amigo e conterrâneo, considerado um dos melhores poetas populares do Nordeste brasileiro. Paulo é portador de gagueira, um disturbio neurológico que afeta a fala, porém é fluente declamando um poema. Ele já se apresentou no Programa do Jô, da TV Globo, bem como é convidado para apresentar palestras e conferências sobre a sua poesia genuinamente matuta. Poucos dias depois da sua apresentação aquela emissora de televisão apresentou em reprizea em razão de ter sido um sucesso total em todo o Brasil. Ele participa de feiras de artesanatos e da Festa do Boi, em Parnamirim/RN, onde arma um stander (uma casa de taipa, típica do sertão do Nordeste, que ele mesmo constrói), onde vende seus folhetos de cordel e apresenta a sua arte de versejar, nas casas de shoows de Natal. A sua produção literária (poesias e causos populares é extensa, com mais de duas mil composições. Ele, Paulo, também é artista plástico e "se diz um cabôco escrevedô e contadô de causos matutos."

O professor e historiador Edson Aquino Cavalcante escreveu sobre Paulo dizendo que ele "tinha jeito para o desenho artístico, mais tarde resulta neste mestre que deixa todos boquiabertos com a sua capacidade de criação. Sendo hoje um contador de causo de primeira linha."

A propósito da sua entrevista no Programa do Jô, apresentado no dia 2 de fevereiro e reapresentado no dia 21 de março de 2005, o jornal "O Mossoroense", publicou a seguinte nota: "A madrugada do último sábado foi marcada pela presença do poeta popular assuense Paulo Varela no Programa do Jô. O homem deu um verdadeiro show mostrando que a cultura popular é rica (...).

Vamos conferir a sua verve, a sua criatividade poética que agrada a leigos e letrados:

Pro mode dessas doidice
Que temo que escutar
Tanta coisa ripitida
Desses tanto bla-blá-blá
Por isso qui tenho dito
Os versos são mais bunito
Do que esses pocotó
Gente sen arte tá rico
E ouvido não é pinico
E nem também urinó
Faço coisa diferente
Dessas raízes da gente
Pois eu acho mais mió

Falo de nossas sabenças
Das nossas maledecências
Das coisas do mei rurá
Eu falo do sofrimento
Do chicotar do jumento
Do vôo do carcará
Falo do gado magrenho
Da cachaça, do engenho
Do nordestino sofrido
Desse mato ressequido
Do espinho unha-de-gato
Tocaia no mei do mato
Das poça, do lamaçá
Da mãe que dá de mamar
Do aboiar do vaqueiro
Do repicar do ferreiro
Das prece, dos retirante
Dos bando de avuante
Do sol amarelo e quente
Da fome de nossa gente
Cangaia, borná, chucaio
Tropeiro no seu trabaio
Bisaca, xote, capim
Das negas, dos cabra ruim
Viola, moitão, furquia
Do calor do meio-dia
Casa de taipa, forró
Cachorro, gato, socó
Dos cabôco bom de briga
Das gostosas rapariga
Trinchete, alguidá, panela
Do pilão, cabaço e vela
Do luar, da lamparina
Dos perfume das menina
Quengo, feira e caçote
Biqueira, coice, magote
Farinha, feijão, arroz
Do nosso baião-de-dois
Cangapé, foice, matuto
Nossa fé, do nosso luto
Dos andar das romaria
Do repente, cantoria
Das beatas rezadeira
Dos tiros de baladeira
Dos bolão de vaquejada
Dos coriscos, trovoada
Enxada, perneira e pá
Brida, roçado, vasante
Mas vamos mais adiante
Que não parei de falá.

No folder da festa de São João Batista (Padroeiro do Assu) de 2004, está transcrito um poema convite de sua autoria, dizendo assim:

Pros cabôcos que é de fora
Nóis queremo convidá,
Pra beber de nossa água,
Pro móde nóis forrozá.
Ver quadria e buscapé,
Quem sabe arranjá muié,
Cum as cabôcas se insfergá.
Quem sabe arranjá cabôco
Pra sair do caritó,
Pra resolvê seu sufôco.
In nossa festa arretada,
Só vai tê gente educada,
I vai ser coisa de lôco.
Tem mio, canjica e baião,
Pamonha, alfinim, bandeira,
Xote, buchada e fugueira.
Vai tê balão em fileira,
E a novena é de primêra.
Tem corrida de jumento,
Umas bandas de talento,
E um show de alegria.
Eu lhe convido de novo,
Pra tú cunhecê o povo
Da terra da poesia.


Fica registrado um pouco da poesia matuta deste bardo assuense chamado Paulo Varela. 

(Fernando Caldas)

"VARZEA DO ASSU"

"Manuel Rodrigues de Melo não sub-titulou seu livro romance, conto ou crônicas. Deu- lhe, como indicação justa: Paisagens, tipos e costumes do Vale do Assu. Não é um volume de imaginação. É um depoimento. Sua densidade é soberba de verdade e de força fiel. Nenhum livro apareceu, até abril de 1940, com tal riqueza de informes varzeanos, com tal ciência de minúcia, com detalhes registrados de maneira clara, simples, honesta. Sente-se que, aberta a comporta da reminescência, cantaram impetuosos as águas represadas, livres em seu ímpeto veloz. É a confusão aparente, indico, para olhos limpos, de uma grande massa de notícias que se comprimia, impaciente, nos recantos da memória. Trabalho de varzeano, traduz idioma, modismo deliciosos, usados na paisagem espiritual onde o autor viveu. Todas as figuras qe povoam Várzea do Assu vivem ou viveram. As ruas sem nomes dos povoados, os becos, as praças humildes, os pátios das fazendas que a seca de 1915 despovoou, todas as cenas de enchente e estiagem, de gado e de rio, plantio, pescaria, são modelos tomados ao original. A vida da Várzea, cortada pelo rio imenso, posou para M. Rodrigues de Melo. Não será um foto à Lariev mas é um instantâneo verídico, exato, cuja Kodak não teve a objetiva escura pelo desejo de renome, além do sonho de prolongar sua terra pelas paisagens do seu livro. que sabemos nós, do litoral e sertão, sobre a vida dos varzeanos do Assu, a zona que, de futuro, valerá duas Californias e três Virginias? Apenas, há mais de meio século, Luiz Carlos Lins Wanderley publicou um romance, Mistério de um homem rico, cuja ação se desenrola no Assu. Quais são os leitores desse romance desaparecido? Conheço apenas o segundo volume. Nesse silêncio de cinquenta anos há uma solução de continuidade, inesperada, singela, mas decisiva e nobre: é esse livro evocador, dolorido, emocional e sugestivo. Para criticar seu heroísmo, em escrevê-lo e publicá-lo, é obrigatório fixar pontos de referências? Onde estão os livros descrevendo, com naturalidade e calor, a via da várzea assuense?

É de notar a ausência das tarefas de carnaúba, corte de folhas, batida, fazimento de cera, seus processos. E quem nos diz que essa omissão não seria intencional? Que haja o autor reservado essa parte para o outro ensaio, em que estude a organização tradicional do trabalho na população do Assu? Quantas curiosidades foram relevadas... E o vocabulário capitoso, entubibaram, fiota, pé de castelo, mulada, rupe, feder a fogo, marombos, trambecar, rebolada, de macambira vasqueira, dando para casa, deu de marcha, o cavalo acendeu as orelhas, desadorador, taipero de pilão, tenha tramém, que ouvimos, empregamos mas não escrevemos, assombrados com a fauna extinta dos gliptodontes gramaticais? E o verbo espírita, obsoleto e desusado em portugal, comum aos clássicos, citado em Ferreira (Comédia de Bristo, c. v. do voato) com a contratação ora em Deus em ti, e, na várzea do Assu, o bicho? É com parcimônia que cito.

Não é menor a divulgação de hábitos que se tornaram como cerimônias, espécie litúrgica de gestos, indispensáveis a esse ou aquele ato. Nos bailes dos Mucaias há o cerimonial popular de oferecer bebida em que o pagador deverá liberar primeiramente. Tome! Não, dizia o companheoro, venha de lá. Não, pode tomá. Só entã o parceiro bebe. Todos nós sabemos desse detalhe. Mas ninguém o escrevera ainda. E como esse, inúmeros. Pertencem, essas informações, ao domínio etnográfico, indispensável para o estudo da psicologia coletiva.

A retirada do gado, a derrubada do barbatão pelo vaqueiro Preto Ruivo, da azenda Alemão, está como um retrato ao vivo: - Ao sair numa capoeira pequena e estreita, Preto Ruivo enrolou novamente. Enrolou e segurou. Abrindo o cavalo para fora num ímpeto de raiva, sentão a mão na saia do barbatão, pegou o cavalo nas esporas e gritou ao bicho, jogando-o por cima de uns troncos de catingueira. É rápido, preciso, numa linguagem que será desconhecida aos que se iniciaram nas lides do sertão pastoril. Sentar, abrindo o cavalo, pegou nas esporas, saia do barbatão, gritou ao bicho, são mistérios para um praiano mas lembranças vivíssimas para quem residiu e ama a terra bravia do sertão de pedra.

É esse Várzea do Assu o primeiro livro do autor. Vale por um balanço de capacidade. Raros começaram por essa forma, amando a vida e narrando-a sem disfarces e mentiras de estilo bolo-de-noiva ou pornografias convencionais de realismo.

M. Rodrigues de Melo não andou escrevendo a várzea do Assu. Andou filmando. E com a mais sensível, delicada e fiel das máquinas: - o coração..."

Luis da Câmara Cascudo
(In O livro das Velhas Figuras)

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

SONETOS DE JOÃO LINS CALDAS

AO CORAÇÃO QUE UM CORAÇÃO TRAIU

Ah! Se eu pudesse, coração ferido,
Vingar as mágoas por que tens passado!
Sentir-te duro te sentindo amado
Por que te fez de coração traído.

Ah! Se eu pudesse para ver vencido
O ser que te fez de coração chagado,
Já que de tanto não te é chegado,
Já que de tanto não te é podido;

Ver-te querida; e apaixonado e, louco;
Ter-te no peito pelo mesmo afeto
Mas, nesse afeto, de coragem firme

Ao ver quem foi aos teus carinhos mouco
Mostrar vingança pelo mesmo afeto
E a estrangular te estrangulando a rir-me.

O BUGARI

De quem passou nas tuas mãos um dia,
Do bugari mimoso que me deste
Se evola um mundo de sua ambrosia
Que a minha musa de ilusões se veste.

Ao verem-me com ele: - "Hoje se veste
O perfume do amor..." tudo anuncia
Julgando alentá-la esse olhar celeste
E não o pranto que dele se escondia...

Ah! Nele o bugari cheiroso e lindo,
Brilha o sonho desse gozo infindo
Que nos transporta ao céu da fantasia.

E, como se novo ele ainda fosse...
Conserva a essência jubilosa e doce
De quem passou nas tuas mãos um dia...

SONETO

Vais... vais partir e, aqui, amargurado
Não cessarei de ti chorar um dia.
Em tudo, cruel, a dor se me anuncia,
E, todos, ressurgem os sonhos do passado.

Longas noites no sofrer gelado
Eu sei que vou passar... a nostalgia
Encherá os peitos dessa letargia
Onde soluça o Amor que foi sonhado...

Tudo que em mim de ti falando vê-se
Segreda-me com ânsia de queixume:
"Sei que, quem parte bem cedo se esquece..."

"Vais... meu amor! Minha doce ilusão!"
E´ loucura de mim teres ciúme
Aqui fica meu corpo e segue o coração...
































terça-feira, 22 de janeiro de 2008

OUTRAS POUCAS E BOAS

1 - O Vale do Açu além das suas terras férteis, é uma região rica de figuras chistosas, espirituosas, irreverentes. Pois bem, Vicente Queiroz era fazendeiro no município de Pendencias, localizado naquela região. Certo dia, conversava no alpendre da casa da sua propriedade agrícola com seu amigo chamada Agostinho também fazendeiro naquele localidade, que lhe fez a seguinte pergunta: "Ou compadre Vicente por quanto tá custando uma arroba de algodão"? "Compadre, eu ouvi alguém falar que não sei onde, tão pagando não sei quanto!" E seu Agostinho inocente e distraído, deixou escapar essa: "Mas, compadre já tá desse preço!"

2 - Monsehor Júlio Alves Bezerra (essa estória também se atribui a padre Freitas que, parece, dirigiu nos anos cinquenta, a paróquia de Baixa Verde) foi pároco de Assu durante muito tempo. Dia de batizado dominical na igreja Matriz de São João Batista, perguntou o nome da criança: "Frederico, Padre!" Respondeu aquela mulher". Monsenhor num gesto intempestivo e preconceituoso, disse assim: "Deixe de besteira, mulher, nome de negro é Benedito!"

3 - Waldemar Campielo foi vereador do Assu e depois prefeito de Carnaubais (RN). Pois bem, recém empossado na prefeitura daquele município que fora distrito de Assu, resolveu viajar a Natal em busca de recursos para aquela terra de Santa Luzia. Aí Waldemar perguntou a Walter Leitão (contador da prefeitura) o que estava faltando para ele comprar para aquela edilidade: Walter solicitou: "Prefeito, compre uma bandeira do Brasil." Uma segunda pergunta, entretanto, denunciaria um prefeito deslumbrado com a própria vitória: "Walter, e de que cor eu compro?"

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

CHICO TRAIRA

Francisco Agripino de Alcaniz é o nome de registro de Chico Traira, um dos maiores poetas cordelistas que o Nordeste já teve. Alguns acham que ele, Traira, é natural do Assu, onde viveu parte da sua juventude e os dias finais de sua vida. Porém nasceu no sítio Pau de Jucá, povoado de Sacramento, hoje município de Ipanguaçu (RN). O Nordeste, a exemplo do poeta matuto Renato Caldas e de tantos outros, Chico Traira conheceu de ponta a ponta "nas suas intermináveis andanças", apresentando as suas cantorias, acompanhado da sua inseparável viola que um dia, teve que vendê-la por necessidades financeiras. Pois bem, certo ocasião, viajando com destino a litorânea cidade de Macau (RN), para apresentar uma cantoria, em companhia do seu colega chamado Patativa que, em razão da trepidante estrada esburaca, ainda carroçável, disse assim como se quisesse provocar o poeta: "Chico. Eu acho que nossa viagem não vai ser muito sublime!" Traíra pegou na deixa:

Se o amigo não está
Achando a viagem boa
Você é pássaro, eu sou peixe
Eu mergulho e você voa
Você volta para o ninho
E eu volto à minha lagoa.


De outra feita, cantando com outro afamado poeta violeiro chamado Manoel Calixto, na cidade de Areia Branca, interior do litoral do Rio Grande do Norte, na casa de certo seu admirador fora desafiado com a seguinte estrofe:

Aviso ao dono da casa
Que não vá fazer asneira
Tenha cuidado em Traira
Que ele tem uma coceira
Se não quiser que ele pegue
De manhã queime a cadeira.

Chico prontamente respondeu:

Você é que tem coceira
Dessas que rebenta a calça
Está tomando por dia
dezoito banhos de salsa
Quando a coceira se dana
Num dia acaba uma calça.


Fernando Caldas

sábado, 12 de janeiro de 2008

GLOSADORES DO ASSU

A minha idade requer
Saudade e recordação.
Vivendo na solidão
Por causa de uma mulher.
Nem sonhando ela me quer...
Po causa disso chorei;
Bebendo raciocinei:
É astúcia do Demônio
E ao meu triste patrimônio
"Novos tormentos juntei".

Renato Caldas

Passeando nesta praça
Não sinto mais alegria,
Achando a vida vazia
Na venda bebi cachaça.
Na vida não acho graça,
Pensando no meu sofrer,
Já de tanto padecer
Eu já vivo amargurado,
Continuo embriagado
Me lembrando de você.

Manoel de Bobagem

Ouvido Sua Eminência
Por imensa multidão
Humilde, beijou o chão
No país da violência
Pregou a paz com clemência
De modo convencedor,
Rogou a Nosso Senhor
Que aos cristãos todos conduz
Como servo de Jesus
O papa, pregou o amor.
Solon Wanderley

Serei uma alma esquecida
Ninguém vai lembrar de mim,
E por isso antes do fim
Sinto saudade da vida
Minha filha, a mais querida,
A quem lhe dei o viver,
Na certa vai esquecer
Do pai que a morte levou
Por isso tristonho estou
Em lembrar que vou morrer.

Boanerges Wanderley

Eu respeito a castidade
Inda mesmo presumida,
Que mantém pra toda vida,
"A mulher de certa idade."
Mas, afirmo, sem maldade,
Que, na vida, errada, incerta,
Muita coisa se concerta
Que parece nova e boa:
- Mulher que vira "coroa"
Não tem nunca idade certa.

Mariano Coelho

Mesmo sem acreditar
Nas sagradas escrituras
Devem ter as criaturas
"Um minuto pra rezar."
Também devem programar
O seu modo de viver,
E dessa forma obter
O perdão da eternidade,
E ter com serenidade
"Um segundo pra morrer."

Francisco Amorim

Já estou desesperado,
Já não tenho paciência,
Se assemelha à penitência
A vida que vou levando.
Meus amigos se acabando.
Aqueles que tanto amei...
Eu, também, já comecei
A morrer por prestação,
E se tentar salvação
Tem caminhos que eu não sei.

Walter de Sá Leitão

A dor, a angústia, o gemido,
São prenúncios de um ocaso,
Mas, às vezes tem um prazo
Pois nem tudo está perdido.
Tudo por Deus é regido
A tempestade, a bonança,
Convém rever na lembrança.
Dia a dia o que acontece,
Veio fazer uma prece
Quando resta uma esperança.

Núcio Pinto

Pedindo paz pra meu povo
Súde e tranquilidade,
Com grande felicidade,
Quero entrar o ano novo.
A Jesus Cristo, sim, louvo
O seu natal tão contente
Peço a Deus Onipotente,
Com fé de não ter engano,
Pra subir o novo ano
Com o pé direito na frente.

João Adolfo Soares

Como tudo é passageiro
No decorrer desta vida,
No jardim, triste, esquecida,
Cai a flor do jasmineiro
Seu orvalho derradeiro,
Por sobre a relva deslisa
O seu perfume ameniza
O travor da soledade
Deixando odor de saudade
Ao leve sopro da brisa.

Oliveira Junior

De madrugada, na rua
Num luar claro de agosto,
Eu vi o seio da lua.
Sem "sutien", quase nua,
Eu pasmei, nervoso, ao vê-la
Custava, mesmo entendê-la,
Qual Diana pura e terna
Tomava a forma materna
Amamentando uma estrela.

Hélio Oliveira

Fico na área cantando
Admirando a beleza
Feita pela natureza
Me sinto bem contemplando
E o perfume aspirando
Das rosas e do jasmim
Foi Deus que me fez assim
Pra ser amiga das flores
Em mim não tem dissabores
Contemplando o meu jardim.

Martinha Santiago

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

CARNAUBEIRA, A "ÁRVORE DA VIDA"




A carnaubeira é uma palmeira originária do semi-árido nordestino, muito comum em solos argilosos e de aluvião (beira de rios), bastante resistente às secas e com grande longevidade (ciclo de aproximadamente 200 anos). Há quem diga que a carnaubeira é eterna. Ela é chamada cientificamente de Copernícia Cerífera (Miller), em homenagem ao naturalista alemão Humbadt, quando este visitou o Brasil no século XII e conheceu a carnaubeira e suas numerosas finalidades, passando a chamá-la com o apodo de "árvore da vida." Ela também é conhecida popularmente como "O Boi Vegetal". é como se dizia antigamente: "Do boi tudo se aproveita, da carnaúba não se perde nada." O seu descobrimento é data de 1790. Em 1857, o norte-rio-grandense chamado Manoel Antônio de Macedo foi quem descobriu o processo de extração da cera da planta e por ele provavelmente feito as primeiras experiências de beneficiamento, "muito antes do petróleo e da luz elétrica". Celso da Silveira depõe que "o emprego na confecções de currais de gado teve influência decisiva no desenvolvimento do ciclo da pecuária determinante das primeiras charqueadas no Brasil."

No Vale do Açu/RN, a carnaubeira cobria uma área de aproximadamente 17 mil hectares. Até pouco tempo atrás (antes da fruticultura irrigada naquela região, explorada principalmente pelas empresas agrícolas de porte) era a principal economia do Vale do Açu. Praticamente toda produção de cera era exportada para os estados Unidos, Alemanha, Grã-Bretanha e França.

A carnaubeira é uma árvore nativa muito comum em solo argiloso e de aluvião (margem de rios) natural da região nordeste do Brasil como Rio Grande do Norte, Ceará e Piaui. Estes dois últimos Estados com maior frequência, informa Celso Martins. "Em outros países da América do sul existe a carnaubeira, mas somente a palmeira. Devido à irregularidade da extração chuvosa não desenvolve o mecanismo defensor do vegetal, não havendo assim o pó cerífero servindo somente para adorno." Existe ainda a carnaubeira no Ceilão, Africa Equatorial.informa Celso Martins.

A carnaubeira além de ser uma planta nativa, também se planta. Se plantada leva aproximadamente 10 anos para chegar ao ponto da colheita. No Brasil os maiores produtores são os Estados nordestinos como Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí, com 87 por cento da produção nacional. No Rio Grande do Norte são produtores, os municípios de Assu, Ipanguaçu, Carnaubais, Auto do Rodrigues, Pendências, Upanema, além dos município da região oeste do estado potiguar como Mossoró, Pau dos Ferros, Felipe Guerra, Apodi e Governador Dix-sept Rosado. Ainda se produz o pó cerífero nos município de Campo Grande, Santana de Matos, Ceará Mirim, Macau, Touros, Martins, entre outros municípios com pequena produção.

A extração da palha da carnaubeira - corte de suas palhas, é feito através de grandes varas de aproximadamente dez metros de comprimento, tamanho maior da carnaubeira, podendo excepcionalmente chegar a 15 metros, com tronco (esquife) perfeitamente reto e cilíndrico de 15-25 cm de diâmetro, com uma foice na extremidade, sem causar danos ao meio ambiente. A colheita é feita entre entre os meses de agosto e dezembro e, após a extração da palha bota-se para secar em estaleiros, exposta ao sol para depois proceder ao seu batimento e posteriormente extrair o pó. (Tempos atrás, se procedia o seu batimento na calada da noite, hora em que o vento está brando, depois, veio a ser batida mecanicamente através de uma máquina (chamada "Maquina de Cortar Palha"), salvo engano, inventado no Estado do Piaui, coisa semelhante a uma forrageira de triturar ração animal, acoplada a um caminhão que depois de extraído o pó dar-se-á o seu cozimento em grandes tachos de ferro fundido revestido de tijolo (alvenaria), em alta temperatura, com adicionalmente de um produto de nome Sal Azedo e outros produtos químicos, para dar melhor qualidade ao produto.


Da (suas palhas) faz-se chapéus, bolças, esteiras, bem como a sua madeira serve para cobertura de casas, galpões, ou qualquer outro tipo de cobertura que o homem possa idealizar. A sua madeira (tronco) é de grande durabilidade, faz-se linhas, ripas e serve também para confeccionar utensílios domésticos. Do tronco faz-se também porteiras para fazendas e pontes, por acreditar que a sua durabilidade é eterna se utilizada de tronco completamente maduro. A semente da carnaubeira serve para ração animal bovina e se triturada da um pó semelhante ao café, servindo de alimento ao homem com inúmeras propriedades medicinais, Dá suas raízes, o escritor Amorim, dá uma bebida muito usada na medicina depurativa que, quando queimadas e pulverizadas substituem o sal de cozinha, sendo também indicado popularmente contra o reumatismo e artrite. O seu fruto é de cor preta e têm um gosto adocicado. A sua polpa quando processada produz farinha.

"A PETROBRAS - através da Unidade de Negócios, Exploração e produção do Rio Grande do Norte e Ceará (UNRNCE) - adotou uma tecnologia autenticamente norte-rio-grandense para revestir os dutos por onde passa vapor a ser injetado nos poços terrestres de extração de petróleo. A palha da carnaubeira serve a fabricação de esteiras e reduz em até 40 por cento os custos da companhia somente com esse tipo de aplicação . Tecnologia em forma de esteiras com palha de carnaúba trancada, que sai das mãos hábeis de pelo menos 50 mulheres do assentamento Palheiros III (município de Upanema).

O uso das esteiras de palhas de carnaúba pela companhia trará uma economia de ate 3 milhões e 700 mil reais, somente considerando a demanda inicial de cem quilômetros de dutos. Onde a PETROBRAS aplicará o revestimento que dará proteção mecânica a estrutura metálica por onde passa o vapor a 280 graus".

A carnaúba é classificada de quatro tipos: Tipo 1 (cera olho de cor amarela, de melhor qualidade e maior valor comercial, tipo 2 (cera gorda de cor verde), tipo 3 e 4.

A cêra começou a perder espaço em solo nordestino logo apos a explosão do consumo dos anos cinquenta. Por esse tempo, o Brasil produziu 100 mil toneladas. Foi o auge de sua produção. A cêra foi muito usada na confecção de disco de venil pelas gravadores e ainda é muito usada pelas industrias de graxa de sapato.

No Rio Grande do Norte, era o município do Assu, onde se concentravam seus maiores produtores, beneficiadores e comerciantes. Lembrar Zequinha Pinheiro (produtor de cêra que chegou até a ter uma casa bancária no Rio de Janeiro com os recursos da cêra de carnaúba), Francisco Martins Fernandes, Minervino Wanderley, Fernando Tavares (Vem-Vem), Mercantil Martins Irmãos (dirigida por Sandoval Martins), Carvalho & Cia que depois veio a ser Pimentel e Cia, Cooperativa Agro Pecuária do Vale do Açu Ltda (presidida por Francisco Amorim e gerenciada por Edmilson Caldas, chegando aquela cooperativa em virtude da comercialização daquele produto, a ser na década de setenta, o maior cliente do banco do Brasil, de Assu, além de um grande fornecedor a industria Johnson, de Fortaleza-CE), Sebastião Alves, Nilo Gouveia (Seu Nilo), Luiz Tavares, Seu Ananias, entre outros da várzea do Assu.

A Mercantil Martins Irmãos foi quem primeiro inovou para o beneficiamento da Cera de Carnaúba, no Estado potiguar, implantando na década de setenta (onde hoje está assentado o Centro Administrativo da Prefeitura Municipal do Assu), uma usina com tecnologia moderna, deixando de comercializar a cêra em forma de tablete para ser beneficiada tipo escama de peixe, conforme exigência do mercado importador.

Pena que a carnaubeira no Vale do Assu está ainda sendo destruída para dar lugar o cultivo da banana entre outras frutas.

Fernando Caldas

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

JESUINO BRILHANTE, O FILME

Vale a pena relembrar que no início da década de setenta, o povo hospitaleiro e generoso do Assu, de tantos poetas e até mesmo de tradições pioneiras, recebeu um grupo de atores (cabeludos) cinematográficos, para que aquela cidade e região, fosse cenário principal do primeiro filme longa metragem rodado no Rio Grande do Norte, intitulado "Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro", produzido pelo cineasta potiguar de Ipanguaçu/RN, então radicado no Rio de Janeiro, onde veio a falecer em 1991, chamado artisticamente William Coobet (Cosme na tradução, seu sobrenome de registro, família muito conhecida no Assu e em Ipanguaçu).


Esse filme tem fotografia de Carlos Tourinho, música de Mário Pariz e o seu protagonista é Neri Vitor, produção de Eliana Coobet. É uma produção em Eastmancolor. Suas filmagens tem duração de 1h40m., 35mm e o seu produtor associado é Jonas Garret. O enredo é sobre o cangaço e o gênero é de aventura, rodado que foi em reprise com destaque no 15º Festival de Cinema de Natal, realizado no mês de julho de 2006. Fez sucesso no Brasil e foi rodado especialmente a convite no Festival de Moscou, em 1973. Algumas das suas cópias estão espalhadas em diversos países como a Rússia, Espanha, Romênia, Checoslováquia, Índia e Polônia.

O filme conta a história de um cangaceiro romântico chamado Jesuíno Alves Calado (Jesuíno Brilhante), nome que herdara de seu tio, também cangaceiro.

Jesuíno nasceu no sítio "Tuiuú", distante sete quilômetros da cidade de Patu, região oeste do Rio Grande do Norte.

Câmara Cascudo depõe que Jesuíno "é o primeiro cangaceiro na memória do oeste norte-rio-grandense. Deixou funda lembrança de valentia, destemor e fidalguia. Era o aut-low gentlilhomem, imperioso, arrebatado, incapaz de insultos por vaidade ou de uma agressão inútil."

Voltando ao filme, participaram da filmagem, artistas de nome nacional como Neri Victor, Rodolfo Arena (como Soares), Vanja Orico (como Maria de Goes - que ficou hospedada na casa da escritora Maria Eugênia), Waldir Onofre (como Zé), Miltom Vilar (como Francisco Limão), Hilda Melo (como Margarida), Maria Lucia Escócia (Jesuino´s Mother), Wandick Wandré, Rojerio Tapajos (como Silvestre), Eriel José (como Jojeu), Helio Duda (como Juvenal), Mário Paris (como Cobra Verde, Anteór Barreto (natural de Ipanguaçu), além de Regina Accioli, Clementina de Jesus, Jesiel Figueredo (ator potiguar que fez uma cena no Forte dos Reis Magos, como o governador da província), Tony Machado, Rui Marques, Daniel Rosental e Nestor Saboia.

Várias pessoas da sociedade assuense deram a sua colaboração como figurantes. Entre tantos: Pedro Cícero de Oliveira, José Caldas Soares Filgueira Filho (Dedé Caldas), Zélia Amorim, Francisco Evaristo de Oliveira Sales  - dr. Sales), que foi médico em Assu durante décadas), José Marcolino de Vasconcelos (Dedé de Aiá), Raimundo Márcio Borges de Sá Leitão (Itinho de Durval), Monte Lacerda e Fernando Montenegro, dentre outros.

Além do município do Assu, a filmagem fora produzida em Ipanguaçu, Mossoró, Tibau, Patu e nos cerrados de Lages e Natal, onde fora concluída a filmagem.

Voltando a vida de Jesuíno, Sinhazinha Wanderley no livro de Walter Wanderley intitulado Família Wanderley, 1965, conta que no Assu existiu um pequeno museu onde se encontrava exposto um pedaço do osso do braço de Jesuíno Brilhante que foi morto pela polícia da paraíba no lugar denominado Palha, distrito do Estado da Paraíba.

Fica, portanto, esse registro, como um fato cultural de muita relevância para o Assu, pois, esse filme é patrimônio cultural que deve ser relembrando e ficar catalogado nas páginas da nossa história e do Rio Grande do Norte.

Fernando Caldas

























































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