Públio José – jornalista
Ao que tudo indica, desde os tempos mais remotos, sonhar não é um bom negócio. São inúmeros os exemplos conhecidos, através da história, de personagens que imaginaram grandes projetos, grandes descobertas, grandes invenções, grandes planos, enfim, e que amargaram cerrada oposição de seus contemporâneos. Por que será? Já agora, nos tempos atuais, a tradição popular jogou o termo sonhador na vala comum dos significados pejorativos, entranhados de preconceito, tratando-o como algo sem valor, sem graça, sinônimo de avoamento inconseqüente. Tanto é que hoje não é bom se ser identificado como pessoa que sonha, que almeja, que flutua no insondável e fértil terreno da imaginação. Quando se diz fulano é um sonhador, está-se utilizando, na verdade, de um julgamento centrado na intenção de carimbar o outro com tintas carregadas de ironia, de maldade, de ridicularia. Por quê?
Na Bíblia, por exemplo, são incontáveis os casos de agressividade direcionada por comunidades inteiras contra pessoas detentoras de grandes sonhos, muitas das quais arcando, além do mais, com a responsabilidade de serem portadoras de sonhos do próprio Deus, segundo testemunhos largamente conhecidos. Noé, o da arca; Moisés, o das tábuas da Lei; Davi, o que unificou os hebreus em torno de um só reino; José, o do Egito; Jeremias, o do cativeiro babilônico; Daniel, o da cova dos leões; e Paulo, e João, e o próprio Jesus, portador do plano de salvação de Deus para a humanidade, tão incompreendido no seu tempo como também nos dias de hoje. No entanto, de todos estes, José, o do Egito, foi mais odiado ainda – pelo simples fato de sonhar. Já havia contra ele uma inveja enorme dos seus irmãos por conta do amor que o pai, Jacó, lhe devotava. Seus sonhos fizeram-no ser mais invejado ainda.
O livro de Gênesis, no capítulo 37, versículos 4 e 5, contempla a saga de José. “Vendo, pois, seus irmãos que seu pai o amava mais do que a todos os seus irmãos, aborreceram-no e não podiam falar com ele pacificamente. Sonhou também José um sonho, que contou a seus irmãos; por isso, o aborreciam ainda mais”. Porque será que aos sonhadores está sempre reservada uma taxa além da média de inveja, de ranço, de embutida rejeição? Ao que parece – e isso tem implicações até os dias atuais – o fato de sonhar impregna o sonhador de uma aura carregada de risco, de exposição avantajada, de visibilidade excessiva. José foi um caso típico. Tudo que fazia, tudo que planejava era amplificado odiosamente pelos irmãos. A ponto de terem tramado a sua morte, só não o fazendo em função de uma estratégica mudança de planos: ao invés de matá-lo, jogaram-no numa cisterna seca – em pleno deserto.
A História nos aponta também a existência de dois tipos de sonhador: o que, diante das pressões, dos inconvenientes, das dificuldades, da iminência de conflito, adota uma postura de retraimento, abandonando seus sonhos, abraçando o caminho da desistência, do querer está de bem com todos, e aquele que não desiste nunca. Que enfrenta tribulações, aflições, incompreensões, sem esmorecer, sem fraquejar, alimentando-se das experiências negativas para sair do processo mais revigorado ainda. Que tal comportamento não seja confundido com intransigência cega e burra! Não. O sonhador que não desiste nunca também sabe recuar, dar um passo atrás. Só que, para este, um passo atrás não significa sinônimo de fraqueza, mas, em verdade, uma forma de se fortalecer mais ainda para seguir adiante, asfaltando, com as inesperadas dificuldades, a estrada da concretização de seus sonhos.
É um caminho fácil? Não, não é. Mas, junto com os dissabores, tem também seus momentos de realização. O próprio José foi um clássico exemplo disso. Em um dos seus sonhos, via que o sol (seu pai), a lua (sua mãe) e onze estrelas (seus irmãos) se inclinavam diante dele. E essa perspectiva tempos depois se concretizou. Após ser vendido como escravo, ser caluniado pela mulher de seu dono, mofar por longos dias na prisão, foi libertado pelo rei egípcio. Galgou espaços na corte e alcançou o posto de número dois na hierarquia do reino. Seu mérito foi o de nunca ter desistido de seus sonhos e de ter se mantido sempre fiel a valores e princípios recebidos do seu Deus – o mesmo Deus que assegura hoje “fiel no pouco, no muito te colocarei”. José perdoou os irmãos, reinou sobre os seus e sobre o Egito inteiro. Inscreveu seu nome na História. Ah, os sonhos! Vale à pena tê-los e preservá-los. Ah, como vale!
Postado po Fernando Caldas
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